A Mariana gosta de ouvir falar outras línguas nas ruas de Lisboa. Desde que não sejam idiomas que ela consiga entender — prefere corruptelas dos originais, desenvolvidas como código para escapar à censura e ao controlo dos tiranos que ainda dominam algumas partes do mundo, ou decorrências de culturas exóticas temperadas a gengibre e canela.
A Mariana quer que estes tenham lugar na sociedade, mas detesta os que vêm para passear e fazer compras e que transformam os bairros tradicionais em Disneylândias — curiosamente exploradas pelos tais que chegam de longe e longe ficam da língua e dos hábitos daqui, que vendem aos outros as bugigangas que convertem as famílias a entusiasmar-se por Portugal.
A Mariana gosta de ter estrangeiros a andar por aí, na palete mais multicultural que pode haver. Mas daqueles que vêm para ficar ainda que não tenham casa para morar nem forma de ganhar a vida (eventualmente até por não serem entendidos). Os que têm onde morar, são culturalmente próximos o suficiente para se adaptar a Portugal e conseguem trabalhar com bom retorno financeiro, esses a Mariana quer que fiquem longe, na terra deles. E ainda mais longe quer que fiquem aqueles que só querem vir por uns dias para aproveitar o melhor do país, passear, comer, beber e gastar dinheiro — não venham para aqui saturar-nos as ruas com turismo e consumo. Esses que enchem as ruas com o seu passo lento e estragam os bairros quando se apaixonam por eles e querem tanto deles fazer parte que pagam aos velhinhos para lhes ficar com casebres sem condições, que transformam em moradas de luxo.
A Mariana não gosta disso, pois claro. Tem nostalgia de como as coisas eram dantes, nos tempos em que se fazia belos passeios a ver as almas penadas que se arrastavam pela Baixa de Lisboa; tem saudades de andar na Ribeira e na Foz do Porto de olhos postos no casario devoluto a descascar no desmaio do que já não era cor... Agora tudo cheira a novo, nem parece a mesma terra que ela conheceu.
Do que a Mariana mais gosta é da diversidade cultural e apoia incondicionalmente aqueles que a sociedade maioritariamente empurra para as suas franjas — mesmo que sejam precisamente esses os que têm formas de vida discriminatórias, que se regem na vida por normas desumanas que a Mariana justamente abomina e condena em todos os demais.
A Mariana gosta que se dê cuidados e atenção e até prioridade nos serviços públicos àquelas famílias que mal subsistem e pouco tempo resistem por cá antes de partir para paragens mais ricas, mas não quer nem ouvir falar em ideias que atraiam os que já têm vontade de vir e aqui vivem bem a expensas próprias, deixando gordas receitas nas cidades por onde passam.
A Mariana quer, e bem, que os filhos daquelas famílias tenham lugar garantido na escola do país que os acolhe, mas não está minimamente preocupada que isso signifique que os filhos das famílias portuguesas fiquem de fora ou tenham de fazer viagens de 40 minutos para ir e voltar porque na escola à frente da sua casa já só cabem os que precisam de ser integrados na sociedade. Não há lugar para os que sempre ali viveram.
Um dia a Mariana vai perceber porque é que os portugueses estão tão zangados com ela.
Diretora editorial