Nuno Rebelo de Sousa avisou que, sendo a isso obrigado, iria marcar presença na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), mas iria "usar do seu direito ao silêncio", e iria "fazê-lo na íntegra". Pouco depois das 14.30 de quarta-feira, todos os canais de notícias portugueses mostravam a cara do filho do Presidente da República a ler a declaração de que não faria declarações. E por ali se ficaram, registando as perguntas (declarações seria mais bem dito) dos deputados perante duas horas de silêncio do inquirido, concordando todos em continuar a sessão, mesmo quando o presidente da comissão perguntou se valeria a pena.
Para quê prolongar um inquérito sem respostas? Simples: os deputados estão ali para se fazer ouvir e não para esclarecer o que quer que seja. Quer o tema seja as gémeas brasileiras tratadas em Santa Maria (caso sob investigação do Ministério Público, a quem compete agir, desde novembro) por "especial pedido" do filho do PR quer seja a atuação do MAI no acidente de viação em que morreu um trabalhador na A6. As CPI transformaram-se num ato teatral sem substância, com deputados a despejar dezenas de perguntas ou a fazer da sua opinião inquirição — não é que esperem resposta, simplesmente estão a divulgar os seus manifestos políticos.
A motivação dos partidos para as CPI tem hoje muito pouco, se alguma coisa, da função prevista de "vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os atos do governo e da Administração" em matérias "de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia". As CPI tornaram-se meros veículos de propaganda partidária, com honras de direto televisivo fora de época, em que todos, todos, todos aproveitam para fazer campanha.
Basta ver que os governos registavam em média oito CPI durante quatro anos de uma legislatura completa, bem menos do que as 11 constituídas nos dois anos de maioria absoluta de António Costa e quase os mesmos do que os sete registos somados em três meses (três meses!) de funções do atual governo. Onde se incluem uma CPI à reestruturação de um grupo privado de media (o GMG, herdada da anterior legislatura) e uma que acabou rejeitada mas pretendia escalpelizar a privatização da ANA, concretizada há uma década.
São os que vulgarizaram a escapatória disfarçada de elevação moral com o "à política o que é da política e à justiça o que é da justiça" que agora se sentam no Parlamento não a desenhar leis para dar futuro ao país e a procurar soluções e consensos para resolver os muitos problemas que pesam sobre o povo, mas a promover soundbites que podem projetar os seus partidos.
Os políticos que acusam os procuradores de estarem a fazer política dedicam-se agora a fazer "justiça" sem rede — em praça pública e sem princípio de presunção de inocência. É que além do tempo perdido, da degradação dos fóruns e do enxovalho público dos que ali são inquiridos, a máxima consequência de uma CPI é o envio das conclusões para o MP investigar indícios de crime.
É à justiça que compete investigar o caso das gémeas e, concluindo pelo crime, garantir consequências para os responsáveis — políticos e de facto — e o MP deve ter todas as condições para fazê-lo, sem pressões políticas ou mediáticas. Como sucede na maioria dos outros casos que têm chegado às CPI. Aos deputados, cabe cumprir o mandato legislativo para o qual foram eleitos e não focar-se em campanhas mediáticas histriónicas para conquistar eleitores.
Infelizmente, uma cunha de alto nível no país dos facilitismos e chico-espertismos tem muito mais interesse do que os planos para resolver problemas graves e criar valor no país ou do que o escrutínio político de quem os executa. Com ambição não se alimenta horas de conversa de café.
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