Muito se tem falado sobre os "lucros exorbitantes da banca", marcando a ferros a imagem do banqueiro explorador que engorda à custa de esmagar os pobres mortais que deles precisam para comprar casa e que têm sido torturados sem piedade por quem lhes emprestou dinheiro com taxas de juro que aumentaram dez vezes em 15 meses.
E que me perdoem os que sofrem na pele o efeito do aumento das Euribor, mas está tudo errado neste discurso fácil e populista — e injusto, para não dizer voluntariamente enviesado para produzir a conclusão generalizada de que a banca é a vilã desta história e a sociedade deve unir-se contra ela, numa espécie de coletividade Robin Hood.
Sim, os cinco maiores bancos somaram lucros recorde no ano passado e a julgar pelos primeiros seis meses de 2024 vão repetir a proeza: foram 2,6 mil milhões de euros arrecadados entre janeiro e junho, cerca de um terço pela Caixa Geral de Depósitos. E ainda bem! Significa que os tempos da crise financeira parecem ter ficado para trás de vez — como se comprova pelo êxito da recuperação do Novobanco, que devemos à administração e estratégia de António Ramalho — e que ao menos a banca tem futuro. Infelizmente, isso ser bem-sucedido é muito mau, num país que tende a estrangular as mais remotas hipóteses de sucesso profissional e de negócios, que se habituou a maltratar quem consegue bons resultados e vulgarizou a censura do lucro e da riqueza em lugar de os ter como objetivo capaz de trazer melhores perspetivas e desenvolvimento a todos.
Mas é mesmo à custa da vil avareza e da inflexível usura que os banqueiros conseguem lucros? Neste retângulo em que famílias, empresas e até o Estado vivem pendurados em crédito — no final do ano, os números do Banco de Portugal apontavam níveis de endividamento de 150 mil milhões (máximos de dez anos), 300 mil milhões e 360 mil milhões de euros, respetivamente —, custa-me crer que assim seja.
Em primeiro lugar, não só convém recordar que, sem empréstimos, a esmagadora maioria das famílias não podia comprar casa como é bom não esquecer que não foram os bancos que fizeram subir as taxas de juro. As Euribor, que determinam os juros pagos nos cerca de 100 mil milhões de euros que os portugueses devem aos bancos em empréstimos para comprar casa, subiram, como se sabe, por ordem do Banco Central Europeu (BCE), que as determina. E subiram por uma razão: a necessidade de controlar a inflação galopante que, essa sim, espoliou as famílias de uma parte significativa do seu já há anos congelado poder de compra. Na verdade, a decisão de Christine Lagarde de mexer nas taxas só pecou por tardia — o banco central americano, a Fed, antecipou-se em quatro meses —, obrigando a que esse movimento fosse mais drástico, com dez subidas em 15 meses, elevando os juros em 450 pontos base, para se fixarem nos 4% em que se mantiveram até sofrerem um ligeiro corte (-25 pontos) em junho deste ano.
Em segundo lugar, infelizmente por cá continuamos a reger-nos pelo "depois logo se vê" e "enquanto o pau vai e vem folgam as costas". Se em Portugal não se privilegiasse as taxas variáveis e se optasse maioritariamente, como acontece no resto da Europa, por uma taxa fixa ou mista nos créditos, não havia tanta sensibilidade a oscilações. A própria Comissão Europeia tem feito inúmeros alertas relativamente ao peso e à forma do crédito em Portugal, onde, apesar de ter havido mais cautela nos empréstimos contraídos no último ano, mais de 80% dos empréstimos à habitação continuam vinculados a taxas variáveis. O que, aliás, nos põe no top cinco de países mais vulneráveis, ao lado de Finlândia, Lituânia, Estónia e Letónia, com efeito piorado pelos miseráveis níveis de poupança aqui praticados. Ambos com efeitos negativos para a banca que não só arrisca ver as famílias impossibilitadas de pagar o que pediram quando há aumentos bruscos nas taxas (e bem sabemos os efeitos de os bancos ficarem com casas nos seus balanços) como não tem a almofada dos depósitos para fazer crescer o dinheiro, que é o produto do seu negócio.
Em terceiro lugar, o que não é normal é que os juros se fixem no zero, onde se mantiveram praticamente dez anos, chegando a tocar valores negativos — provavelmente muitos já não recordam a situação insólita vivida na sequência da crise financeira, em que os bancos foram obrigados a dar aos clientes o valor dos juros que tinham contratualizado receber. E também aqui se penaliza a poupança: se as taxas estão próximas de zero, é isso que vai receber pelo dinheiro que tiver a prazo.
Dito isto, não, os bancos não são santos beneméritos que se movem pela vontade de ajudar o próximo. Por um lado, fazer lucro a "vender" dinheiro é o seu objetivo, como o da TAP é vender viagens de avião e o da Autoeuropa fazer carros. Por outro, vendo-se impossibilitada de ganhar com os juros, os bancos foram criando taxas e taxinhas e comissões para todos os (des)gostos, de forma a compensar a perda. E se aplicaram de imediato a subida dos juros do BCE nos créditos concedidos, demoraram-se a refletir isso nos juros pagos pelos depósitos; e fizeram-no apenas parcialmente, conseguindo assim um crescimento recorde nas margens financeiras superior a 60%.
E fosse por avidez de melhorar resultados e engordar lucros fosse pela memória ainda fresca dos duros anos da crise financeira que os deixou nas lonas há uma década, têm-se esquecido de acabar com taxas e comissões entretanto criadas, que continuam a onerar os clientes, e adiado a remuneração justa dos depósitos.
Mas sejamos claros: os bancos têm tido um papel fundamental na economia nacional. Diretamente, através do financiamento de negócios e famílias, que de outra forma não conseguiriam levantar, e indiretamente, graças aos resultados positivos que vêm acumulando e que se traduzem também em investimento, em dividendos e em muitos milhões em impostos.
Certo é que se a banca tem sido largamente recompensada pelo movimento que fez na última década, o Estado foi quem mais ganhou, em toda a linha. Basta olhar os resultados mais recentes para o comprovar.
Desde logo, com o dividendo de 525 milhões devido pelo resultado de 2023, acrescido de um extra de 300 milhões de euros que o banco público decidiu entregar ao acionista a mais neste mês, fruto dos 900 milhões de euros de lucros conseguidos nos primeiros seis meses de 2024 (o resultado do segundo melhor, o Santander, não chegou aos 550 milhões). Só estes 825 milhões em dividendos (no OE previa-se um encaixe de metade) pagam o aumento salarial que o governo vai dar aos professores neste ano.
Em impostos e rendas, a Caixa vai desembolsar ainda mais 250 milhões de euros que entram direitinhos para os cofres públicos, com o banco público a render mil milhões ao Estado neste ano.
Juntando os cinco maiores bancos, só em impostos relativos aos lucros extraordinários do ano passado, o Estado recolheu 1,5 mil milhões de euros, o dobro do que conseguira em 2022 e quase um quinto do valor total encaixado em IRC num só ano. A este valor, há ainda que somar os impostos extraordinários que são cobrados aos bancos, incluindo o Adicional ao Setor Bancário (criado em 2011 para financiar o Fundo de Resolução), que no ano passado permitiu encaixar mais 38 milhões de euros, e o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (criado em 2020 para "penalizar os lucros excessivos" e que o Tribunal Constitucional já considerou ser contrário à Lei Fundamental), que já soma 180 milhões de euros.
Feitas as contas, quem ganha mais (e com o menor custo)?
Diretora editorial