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La Mala Educación

Quando se descobre a farsa, resta o descrédito que é sabiamente aproveitado pelo populismo. Quando não se descobre, perpetua-se a ilusão.

Recentemente e pela primeira vez, Pedro Almodóvar, cineasta espanhol conhecido por vários filmes, incluindo La Mala Educación, conquistou o prémio principal do Festival de Veneza. Semanas depois, em Portugal, uma mala educación bem menos artística e muito mais concreta fez manchetes por razões bem diferentes. O protagonista desta narrativa é o ministro da Educação, Fernando Alexandre, que, confrontado com a exposição pública de estatísticas inflacionadas, viu-se forçado a um constrangedor mea culpa: o ministro presenteou o país com a notícia milagrosa de uma drástica redução no número de alunos sem professores no prazo de apenas um ano, mas a realidade veio estragar o enredo político. Não houve milagre nenhum, apenas uma revisão da "matemática criativa" que, no final, se revelou uma ilusão propagandística.

Mas o que acontece quando estes erros não são descobertos? Esta é, para mim, a questão central. Porque, se neste caso a verdade foi revelada (e assumida pelo próprio governante), quantos outros números, promessas e metas continuam a flutuar no discurso público sem o mesmo escrutínio? Aqui reside o problema central da mala educación política: o poder de moldar a perceção pública com base em dados falseados, sem a certeza de que alguém, em algum momento, terá a coragem ou a capacidade de os expor.

Fernando Alexandre não é uma figura qualquer. Doutorado em Economia e professor universitário, ele já nos brindou com outras promessas mirabolantes. Foi ele, enquanto analista financeiro da Comissão Técnica Independente (CTI), o responsável por proclamar que o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) não irá custar "um cêntimo aos portugueses". Mas a Comissão Técnica Independente (CTI), no seu relatório, revela outra realidade. Embora o sumário executivo do relatório assegure que “todas as opções são financeiramente viáveis”, também admite a possibilidade de pagamentos de reequilíbrio financeiro ao concessionário, o que, traduzido para termos práticos, significa dinheiro público e um custo para os contribuintes. E existem outros custos propositadamente ignorados: custos ambientais, sociais e económicos que, no fim, também recaem sobre os cidadãos. A centralização do investimento e da conetividade aérea do país em Lisboa, o impacto no sobreturismo e seus desequilíbrios para além do efetivo desvio de investimento público para esta mega obra deixam claro que, de uma forma ou de outra, o "custo zero para o contribuinte" é uma miragem e uma construção altamente propagandística.

Para quem acredita que um novo mega aeroporto  "não vai custar nada", talvez fosse útil relembrar o quanto custa não investir da mesma forma na educação. Porque não ter professores para todos os alunos não é apenas uma questão de logística escolar, é uma verdadeira crise nacional.

Esta será, talvez, a nossa mala educación mais grave: a recusa em investir no essencial e o constante desvio de atenção e dos recursos para projetos megalómanos que pouco ou nada contribuem para o bem-estar e para a riqueza de longo prazo. No final, o que se perde não é apenas dinheiro em si, mas também a confiança pública, política e partidária. Quando se descobre a farsa, resta o descrédito que é sabiamente aproveitado pelo populismo. Quando não se descobre, perpetua-se a ilusão, um dia curada pela chegada de um herói populista.

Almodóvar tem o mérito de transformar a mala educación em arte e reflexão social. Já os nossos políticos fazem dela uma estratégia de sobrevivência eleitoral. Mas, ao contrário do cinema, na vida real não há prémios para a mentira filmada. O que sobra é a dura realidade de escolas sem professores e um mega aeroporto que, no final, vai custar — e muito.

Sonhar com líderes que não tratem as políticas públicas com a mesma ficção de um filme talvez seja utópico, mas uma coisa é certa: esse sonho tem custo zero.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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