Nos últimos anos, a indústria automóvel tem-se revelado um dos pilares centrais da economia europeia. Representando cerca de 7% do Produto Interno Bruto da União Europeia, o setor vai muito para além da simples produção de veículos. O impacto económico estende-se a diversos ramos como a manufatura de componentes, os serviços pós-venda e uma rede de fornecedores e concessionários. No entanto, os ventos que sopram atualmente na economia global colocam em risco a sustentabilidade deste setor, tanto em Portugal como no resto da Europa.
A Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel não deixa margem para dúvidas: o setor automóvel, em Portugal, assegura 62 mil postos de trabalho e gera cerca de 15 mil milhões de euros de faturação, contribuindo com 5,5% para o PIB nacional. Contudo, as exportações caíram 3,8% no primeiro semestre deste ano, uma retração que reflete o abrandamento da procura externa e as dificuldades no mercado interno. Este cenário preocupa as empresas do setor, que ponderam medidas drásticas, como o recurso ao lay-off, um sinal claro de que o futuro parece não ser promissor.
A crise internacional agrava-se ainda mais com a escalada das tensões no Mar Vermelho, que, segundo a ONU, representa uma ameaça crescente à navegação global, podendo desencadear um impacto devastador nas cadeias de abastecimento. Portugal, fortemente dependente das exportações para a Alemanha – o terceiro maior mercado das nossas vendas de bens – sente os efeitos da desaceleração da maior economia europeia. Com a Volkswagen a dar sinais de alerta e a Alemanha a contrair, inevitavelmente, Portugal pode vir a sofrer consequências.
Outro fator de grande relevo é o aumento da produção industrial na China. Entre 6% e 7% de crescimento nos últimos meses, com as vendas ao exterior a dispararem 8%. A China está, de forma estratégica, a inundar o mercado global com veículos elétricos e outras tecnologias verdes, subsidiadas pelo seu governo. A tática é familiar: uma oferta excessiva de produtos a preços baixos, como já aconteceu no início da década de 2000, ameaçando desestabilizar economias ocidentais. A reação não se fez esperar. Os Estados Unidos aplicaram tarifas de 100% sobre os veículos elétricos chineses. O Canadá seguiu o mesmo caminho. A Europa também, embora com medidas mais moderadas.
A Europa, porém, enfrenta um dilema de difícil resolução. O mercado dos veículos elétricos, essencial para a transição energética, está a ser dominado pela China. Para além disso, a UE depende quase exclusivamente (97%) das importações de lítio chinês, um elemento crucial na produção de baterias para veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia renovável. Enquanto a Europa tenta, de forma tardia, fomentar a produção doméstica de lítio, a China já controla grande parte das minas e das capacidades de refinação deste recurso à escala global.
Neste contexto de dependência crescente, a Europa vê-se numa encruzilhada. Competir diretamente com a China parece uma missão quase impossível, considerando as vantagens estratégicas acumuladas por Pequim ao longo de décadas. A resposta europeia passa pela diversificação das fontes de lítio e pela criação de uma indústria local robusta, mas o caminho para a autossuficiência será longo e repleto de desafios. Portugal, a este propósito, com as vicissitudes criadas pelo lítio nos últimos tempos, é já um bom exemplo da dificuldade associada ao processo. A Europa parece não ter condições para competir com a China, infelizmente.
A somar a isto, as previsões económicas para a Zona Euro são tudo menos animadoras. Uma guerra comercial global, com origem nas opções de política tarifária de Donald Trump e do Partido Republicano caso vençam as eleições de novembro, levaria as taxas de juro a subir. Este processo comprometeria ainda mais a recuperação económica da região. O Banco Central Europeu já se encontra numa posição delicada, seguindo de perto as movimentações da Reserva Federal dos EUA. Qualquer aumento das taxas de juro pode afundar ainda mais a economia europeia.
O futuro da indústria automóvel e, por arrasto, de grande parte da economia europeia, está profundamente ligado às decisões políticas e económicas dos próximos meses. O protecionismo económico, assente em tarifas, jamais será uma solução. A Europa precisa de uma estratégia coordenada e eficaz para enfrentar os desafios externos e reduzir a sua dependência de terceiros. Caso contrário, veremos uma crescente perda de competitividade face à China e aos EUA e um impacto irreversível nos postos de trabalho e na prosperidade económica do continente.
Economista e professor universitário