Não fosse tão triste ver ao que está reduzida a política neste país e o que aqui vamos vendo era mesmo de rir. Não fosse estarmos tremendamente pendurados no Estado-paizinho — numa dependência gerada por décadas de socialismo dos pobrezinhos e alimentada a iliteracia financeira —, que vai ajustando diariamente as contas de merceeiro na ponta do lápis, e tudo isto não passaria de um episódio de humor negro.
Mas onde nada se decide a prazo que exceda um ano, onde as medidas se tomam pelo calendário eleitoral, cada vez mais curto e imprevisível, o debate público que se alimenta sobre tudo o que não interessa no Orçamento do Estado (OE) só desperta vergonha e o terrível pressentimento de que não vamos conseguir tão cedo deixar de empobrecer.
Há uma estratégia para desenvolver Portugal? Há visão para o que se quer fazer no país e entregar aos portugueses? Há um caminho claro traçado pelos partidos e capacidade de encontrar pontos comuns que beneficiem o povo? O investimento público vai finalmente voltar a ver-se? O que se desenha para a saúde vai acabar com o caos que se criou no SNS? O que se prevê para a educação, para a defesa, para a segurança interna, para as empresas, para o trabalho está alinhado com o que é necessário para Portugal recuperar uma década perdida e garantir que os portugueses ficam protegidos e mais ou menos em pé de igualdade com os restantes europeus? E como se pagam as decisões estratégicas? É um esforço fazível? De que se prescinde para privilegiar o quê?
Ninguém faz estas perguntas ao governo nem sobre elas pede alternativa à oposição. Muito mais importa saber se houve encontros e com quem; se alguém ficou ofendido por ter sido convocado para mais tarde; ou dar gás aos estafados argumentos de oposição a qualquer proposta que seja feita. Está mal, porque sim. E ação alternativa só propõe quem esteve aos comandos nos últimos dez anos e não agiu.
O problema é que dois terços do país estão dependentes das decisões (e dos orçamentos) dos governos e o outro terço não se consegue mexer por causa das decisões dos governos, exceto se se dedicar exclusivamente a trabalhar daqui para fora. E tudo piora quando o próprio governo, por melhores intenções e capacidades que tenha, não tem como decidir sozinho e se vê obrigado a sentar-se à mesa com as crianças.
O Luís é dono da bola e do campo, mas não tem amigos suficientes na turma para jogar. O Pedro quer ser o chefe da equipa e amua porque não é o primeiro a ser escolhido nem o deixam decidir por todos. O André distribui canelada por quem passa, mas faz queixinhas porque ninguém quer brincar com ele e recusa-se a sair do meio do campo. No recreio dos pequeninos, a Mariana, os Ruis e o Paulo gritam que também querem entrar. E o professor aparece de vez em quando à janela para avisar que daqui a pouco ficam todos de castigo.
Vem Ventura dizer que Montenegro não quer negociar nada no Orçamento do Estado, mas apenas "provocar eleições", para logo se saber que o governo já se sentou para debater as contas do Estado com o Chega e com a IL. BE e PCP querem ter voz, mas avisam logo que o OE é para chumbar, mesmo que não saibam o que tem dentro. E porque não quer ficar atrás no campeonato da verborreia, Pedro Nuno apressa-se a copiar a mensagem de Calimero e acusa o governo de querer provocar eleições pelo autismo, apesar de ter encontro marcado com Montenegro para sexta-feira às 15.00. E enquanto garante que o governo não está para conversas, queixa-se dos encontros que já houve — "em segredo", lamenta, porque ninguém o informou a ele.
Como se alguma negociação fosse feita em praça pública. Como se as soluções de compromisso fossem anunciadas antes de firmados os acordos. Como se o obreiro da geringonça desconhecesse a importância das portas fechadas e ignorasse que não é com vinagre mas com mel que se apanham moscas.
E tudo isto, claro, depois de a esquerda ter promovido uma série de reuniões prospetivas de como bloquear a ação do executivo eleito pelos portugueses, ainda este nem tinha assumido a liderança do país, muito públicas nas intenções de respetiva sobrevivência partidária mas das quais nada se soube quanto ao que pretendiam fazer para melhorar Portugal ou onde iriam insistir para assegurar um futuro que nos enriqueça.
O que se ouve sobre o OE a 15 dias de ser apresentado? Que o governo está aberto a negociar, que a oposição diz que não está nada e que Marcelo avisa que haverá crise política se o OE não passar. Traduzindo: ninguém se quer entender com o governo num orçamento que nos sirva e se ninguém ceder vamos ter as segundas legislativas num ano para não mudar nada.
Parece que passámos do "que se lixem as eleições" para o "que se lixem os portugueses".
Diretora executiva