Quem tem um legado de mais restaurantes abertos do que anos vividos sem ter ainda chegado ao meio século de vida poderia bem sentar-se à sombra do sucesso. Mas há aqueles casos raros de pessoas a quem a sombra da bananeira quando muito dá ideias para novos conceitos de restauração ou vontade de criar deliciosos pratos exóticos. Com 52 restaurantes no currículo, em 30 anos de carreira e 48 de vida, Olivier da Costa está nesta divisão de homens que se distinguem na multidão.
Curioso e pronto a descobrir as melhores receitas de cozinha e sala, permanentemente entusiasmado com o que pode trazer de novo à experiência de quem gosta de partilhar a vida à mesa — definição informal de qualquer português que se preze —, no último ano, o restauranteur português, cujas raízes se estendem de França a Marrocos, abriu sete restaurantes em cinco países. Todos eles conceitos diferentes dos demais e que carregam a sua assinatura e a marca da sua criatividade. Mas aparentemente, um total de 26 restaurantes a funcionar em simultâneo em três continentes não chega. Não para Olivier, que dificilmente vira costas a um desafio que o entusiasme, ainda que não tenha problemas em rejeitar projetos que não lhe façam sentido, independentemente de quanto pudessem render — a faturação é uma consequência que persegue, sim, mas nunca será a causa. E quando surgiu o convite de Bernardo d'Orey Delgado, CEO da empresa que abriu a Doca da Marinha ao público, nem hesitou.
"Em setembro, o dono do espaço veio ter connosco para nos desafiar a pegar no então Anfíbio e imprimir-lhe um rumo diferente; era uma oportunidade de fazer o tributo à gastronomia portuguesa que achávamos que faltava ao grupo", conta ao SAPO Joel Pires, braço direito de Olivier (que estava já, a menos de um mês de ter aberto as portas do novíssimo À Costa Lisboa, ali mesmo paredes-meias com o Terminal de Cruzeiros, a preparar a estreia do À Costa Algarve, inaugurado exatamente um mês após o primeiro, dia 7 de julho). O local servia como uma luva ao conceito de uma casa à beira-rio, em que o peixe fresquíssimo da nossa costa é figura principal, chegando diariamente de um fornecedor de Sesimbra escolhido a dedo e orientado pelo chefpreneur e a comida familiar é rainha.
Após três meses de experimentação e de muitas viagens às memórias de infância, estava a feita a carta com a ajuda do que Olivier se recordava de provar nos dias passados em casa dos avós — como os carabineiros à moda do Sr. Augusto ou os rissóis da avó Marie Louise —, mas também roubado à memória dos petiscos preparados pelo pai, Michel, primeiro estrela Michelin do país e até dos tempos em que era miúdo e comprava nougat e Conguitos à porta da escola (primorosamente aplicados a enriquecer uma musse de chocolate que é de comer e chorar por mais). Nem tudo ali é peixe e doces de conforto — há carne de porco à alentejana e outros pratos tipicamente portugueses a abrilhantar a carta, que na época devida prestará ainda maior homenagem à gastronomia portuguesa, com iguarias como o cabrito assado ou a lampreia. Mas o peixe é a estrela da companhia. Sobretudo porque vem acabar com a dificuldade que é encontrar em Lisboa (belas marisqueiras, temos, mas também aqui o marisco merece as melhores referências) um bom restaurante de peixe que se debruce sobre o Tejo.
A receita não podia falhar e as sucessivas casas cheias têm comprovado ter sido uma aposta vencedora: numa única noite, no primeiro mês de vida, o À Costa serviu 160 jantares. Para o que contribui uma equipa de 66 pessoas, só em Lisboa, e o olhar atento de Olivier, que não deixa créditos por mãos alheias e todos os dias faz questão de ir saltando entre as suas casas para garantir que nada falta ou falha. Sejam os mais antigos Yakuza ou K.O.B. seja o recém-estreado À Costa da Praia da Falésia (no Lake Resort, do grupo HIP), que cumpre a missão que Olivier não descura de acompanhar a migração estival de lisboetas e portuenses para Sul, e que se alarga ao XXL Quinta do Lago, no Wyndham Grand Hotel, e ao Yakuka, no Pine Cliffs Resort.
De braço dado com os melhores hotéis do mundo
Não é por coincidência que cada vez mais espaços com a assinatura de Olivier surgem associados a alguns dos mais reputados grupos hoteleiros do mundo. Na verdade, depois do desafortunado incêndio que fechou o Guilty Avenida, o chefpreneur mantém apenas três casas 100% dele, todas em Lisboa: Yakuza, KOB e XXL. Os outros 25 restaurantes materializam convites de gigantes como o grupo tailandês Minor (dono dos hotéis Anantara, NH ou Tivoli, entre outros), o grupo árabe UIP - United Investments Portugal (Pine Cliffs, Sheraton) ou o luxuoso grupo francês Maison Albar Hotels. A estreia do Seen em São Paulo e depois no rooftop do Tivoli Lisboa, há sete anos, foi o toque de caixa que mudou tudo. Em 2019, o CEO do grupo Minor convidada o restauranteur para alargar o conceito a outras unidades de topo da rede, como Koh Samui (Tailândia), Nice, Roma, Londres ou Tenerife.
"Ao ver o sucesso do Seen, muitos destes grandes grupos hoteleiros começaram a seguir o que o Olivier fazia e a perceber que podiam garantir restaurantes com identidade própria e que funcionassem por si, à margem até dos seus hotéis. Eles sabiam de hotelaria, porque não entregar a restauração a quem lhes trouxesse mais-valia?", conta Joel Pires. Ao SAPO, o diretor comercial e de marketing do grupo Olivier revela que, após entrarem no universo UIP, HIP e Maison Albar, foram recentemente fechados protocolos com a Highgate e a Fosun. "Dois novos restaurantes vão abrir em 2025 (e recusámos outros três porque a localização não fazia sentido ou o conceito não ia acrescentar nada); estão planeados para hotéis que eles têm em Portugal, mas para este tipo de grupos o mundo é pequeno", diz, sem desvendar que destinos se seguirão mas garantindo que a marca Olivier só faz sentido nas melhores localizações. E como tal, Xangai ou Hong Kong podem ser as próximas cidades a recebê-la.
10 milhões em receitas no Seen Lisboa
Nada disto acontece, naturalmente, sem muito trabalho de preparação — os meses de pandemia foram fundamentais para preparar o grupo para esta expansão que resultou em uma inauguração por mês, de janeiro a agosto de 2023, conta ainda Joel Pires — ou sem um acompanhamento atento e permanente. "Os acordos com os hotéis são contratos de três anos, que implicam calls semanais com os gestores dos grupos e reports mensais detalhados", revela. O modelo de negócio é simples: o parceiro põe o investimento, Olivier opera o restaurante e recebe um fee referente à faturação ou royalties. O que recebe depende, portanto, do seu trabalho e esforço. E (nunca é demais repeti-lo) Olivier não brinca em serviço. "O grupo Minor tem 500 hotéis no mundo inteiro e entre todos eles o Seen Lisboa é o restaurante do grupo hoteleiro que mais fatura." Faz 10 milhões de euros por ano em receitas.
Não será à toa, portanto, que o chefpreneur seja tema regular nas mais destacadas publicações especializadas de todo o mundo. A Condé Nast chama-lhe "o homem que mudou a gastronomia em Portugal", a Forbes Brasil apresenta-o como um "fazedor de conceitos" que abriu dezenas de casas "sem perder um centavo", Clément Sauvoy, da Edgar Magazine fala num "chef visionário" que leva a um outro patamar a ideia de que os olhos também comem ("satisfaz-nos as papilas gustativas e os olhos").
Mas nem tudo são favas contadas, sobretudo quando muitas destas casas funcionam em solo nacional, onde a carga fiscal esmaga salários e receitas. A margem dos restaurantes que funcionam em Portugal, revela Joel Pires ao SAPO, fica entre os 7% e os 15%, com uma cuidadosa gestão dos fatores e custos de produção. "Só usamos matéria-prima de muita qualidade e como sabemos os preços dos produtos aumentaram muito nos últimos anos, por isso só em F&B (food&beverage) temos uma fatia de 30% da despesa; depois há que deduzir mais 25% com custos de pessoal e ainda mais 15% em FSE (fornecimentos e serviços externos), antes ainda de se falar em impostos." O que leva uma boa parte do bolo anual do grupo, que fatura praticamente 50 milhões de euros. E para manter satisfeitos os colaboradores, às vezes é preciso alguma ginástica.
Só no Seen Lisboa, há 90 pessoas a trabalhar; ali no novo À Costa Lisboa são perto de 70. Cada empregado de sala custa em média à empresa 1600 euros, para que levem salários a rondar os 1200 euros líquidos. Porque Olivier é pela meritocracia, privilegia os melhores com benesses como temporadas em restaurantes do grupo de cidades estrangeiras e uma tip sugerida que lhes rende 7% da faturação. "É como se também fossem sócios", explica Joel Pires, lamentando a falta de competitividade que Portugal tem relativamente a outros países. "Basta olhar para Espanha, onde o IVA em vez de 23% são 10%, ou ver que numa temporada em Paris chegam a ganhar 3.000 euros, o dobro do que levam aqui." Apesar de tudo, não se queixa: a maioria dos que chegam ao grupo ficam por lá. A retenção está neste momento nos cinco anos de permanência média, mas há exemplos como o de Hélder, gerente do K.O.B., que está no grupo há 20 anos, ou Joyce, do Yakuza, que já conta com 12 anos de casa.
É assim que se garante que, além da comida e dos espaços, a experiência para o cliente é a melhor possível. E o que reserva o futuro do grupo Olivier? Joel nem hesita: "Certamente muitas aberturas", diz, apontando como exemplo um novo Guilty, planeado para daqui a uns meses no Cais do Sodré. Há de juntar-se aos homónimos do Parque das Nações, Porto, Londres, Tenerife, Banguecoque e Koh Samui, ao lado dos outros conceitos-assinatura: KOB Lisboa e Porto; Yakuza Lisboa, Cascais, Algarve, Porto, Paris e Tenerife; Seen Lisboa, São Paulo e Feira de Santana (Brasil), Banguecoque, Nice e Roma; Seen Beach Club Koh Samui e Tenerife; Clássico Beach Bar (Praia de São João da Caparica); XXL Lisboa e Quinta do Lago; Savage by DC Brothers e os recém-estreados À Costa Lisboa e Algarve.