Pavel Elizarov, 36 anos, natural de Moscovo. Ativista político desde 2005, concorreu a várias eleições na Rússia, mas nunca ganhou. "Havia sempre problemas do lado do Governo, que não quer oposição a nenhum nível político", asseverou o próprio, em português corrente, ao SAPO.
Sem qualquer expectativa de desempenhar um cargo político, Pavel Elizarov quis manter-se fiel àquele que é para si o lado certo da história: a oposição. Lutava, por isso, contra o sistema que põe as mesmas pessoas nos mesmos lugares há anos. “Participava em manifestações. Várias vezes fiquei detido na Rússia e na Bielorrússia", conta, acrescentando, quando lhe perguntámos quantas, que até tinha perdido a conta.
Foi por causa dos grandes protestos de 2011 contra a fraude eleitoral na corrida à Duma, o parlamento russo, que deram quase 50% dos votos ao partido do atual Presidente, Vladimir Putin, que Pavel Elizarov foi envolvido pela Justiça num dos mais emblemáticos casos de perseguição à oposição russa: o caso Bolotnaya. Mais de 20 pessoas foram presas, mas ele - que já conhecia de trás para a frente a dureza das celas russas - conseguiu escapar e refugiar-se na Ucrânia e, mais tarde, em Moçambique, onde aprendeu português.
Pouco tempo depois, a União Europeia lançou um programa de apoio, permitido aos perseguidos do caso Bolotnaya obter o estatuto de asilo político na Europa. "Optei por Portugal, porque tinha melhores condições. Não exigiam entregar o passaporte russo e eu tinha liberdade para ficar onde quisesse e não num campo refugiados. Também pude trabalhar enquanto esperava a decisão do Governo português sobre o meu pedido de asilo", indica.
Elizarov, que estudou Matemática Aplicada e Informática em Moscovo, chegou a território nacional em 2013, conseguindo asilo político no ano seguinte. Hoje trabalha em Lisboa como informático. Na Rússia, onde pende um mandado de captura contra si, está Alexei Navalny, seu amigo e vencedor do Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento.
Alexei Navalny é um dos alvos principais de Putin. Porquê?
Conheço o Alexei há muitos anos. É uma das pessoas mais corajosas que eu conheço e uma das poucas que continua a lutar contra a corrupção na Rússia. Ele era apenas um funcionário do partido Yabloko quando criou a sua própria fundação - para lutar contra a corrupção, o que é algo bastante perigoso de se fazer na Rússia, que é um país bastante corrupto. Ficou famoso com o seu blogue, porque escrevia muito bem e fazia investigações corajosas contra a corrupção. Ele era o melhor de todos a fazer isso. Passo a passo, foi ficando cada vez mais conhecido e nunca parou na sua luta. Foi por este motivo que se tornou o principal rival de Putin.
Considero o Alexei um amigo. Cheguei a estar preso com ele. Ele ajudou-me, por exemplo, a conseguir asilo aqui em Portugal ao escrever uma carta sobre a nossa relação de amizade e sobre os movimentos em que estávamos envolvidos juntos.
É amplamente sabido que a condenação de Alexei Navalny na Rússia por fraude é um assunto político e não judicial. A própria UE já se posicionou sobre isso, tendo pedido várias vezes a sua libertação, uma vez que o caso remontava a 2014 e já tinha sido, inclusivamente, julgado. Acha que Putin alguma vez libertará o Navalny?
(Pausa) Espero que sim, mas também tenho medo das circunstâncias em que isso pode acontecer. A ideia do Putin é que um dos dois deve morrer para Navalny ficar livre. Ou Putin morre, ou Navalny morre. Mas espero que isso não aconteça. Vamos fazer mais pressão para Putin libertar Navalny.
Com Navalny preso, o cerco aos seus apoiantes está a apertar?
Sim, claro, este ano é muito complicado. Centenas ou milhares de pessoas tiveram de sair. Foram expulsas da Rússia por causa das atividades políticas. A equipa toda de Navalny vive noutros países.
As detenções políticas não vão parar com Putin ou a Rússia é uma ditadura independentemente de Putin?
É difícil dizer. O povo russo gosta de liberdade e não vai apoiar durante muito tempo a ditadura. Como o regime é muito dependente especialmente de Putin, que é muito corrupto, vai ser complicado para passar o poder para outra pessoa e manter o mesmo nível da repressão. Não sabemos o que vai acontecer. Espero que uma revolução democrática aconteça nos próximos anos e a Rússia regresse ao caminho de uma democracia europeia.
É a corrupção que alimenta Putin no poder?
Sim. Os mais próximos de Putin são seus amigos e colegas de infância. Ele ajudou-os a tornar-se muito ricos depois de se tornar Presidente em 2000. Não eram ninguém, hoje têm muito poder, são muitos ricos e são os maiores apoiantes dele.
Dizia que é preciso uma revolução no sentido da democratização. Como é que isso se faz?
Não tenho nenhuma ideia em concreto, mas a verdade é que é cada vez mais difícil fazê-lo. Precisamos de muitos ativistas na Rússia para fazer isso, mas foram todos expulsos. São reprimidos e perseguidos. Essa mudança para a democracia tem de ser pacífica. O mais importante é evitar violência. Podemos seguir o exemplo doutros países europeus... As pessoas devem sair às ruas e pedir eleições livres para transformar o sistema político numa democracia.
Este ano o Parlamento Europeu decidiu atribuir o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento a Alexei Navalny. Acha que a UE deveria fazer mais pela libertação de Navalny?
(Pausa) É uma questão complicada. Acho que, por exemplo, as sanções económicas nem sempre ajudam. Quando os líderes europeus falam com Putin, é importante relembrar que Navalny está preso e deve ficar livre. Navalny estar preso é injusto. Alguns amigos de Putin nos Governos europeus não o fazem, como Viktor Órban na Hungria ou em Itália onde também há vários apoiantes do Kremlin. Na Alemanha, temos por exemplo Gerhard Schröder, antigo chanceler alemão que trabalha na Gazprom.
Por outro lado, as sociedades, inclusivamente em Portugal, têm pouca informação sobre o que acontece na Rússia. Acho que também podemos mudar isso. Com o que aconteceu aqui em Lisboa, com este caso da partilha de dados, eu percebi que os funcionários da Câmara Municipal de Lisboa (CML) não percebem que há o perigo do regime de Putin responder a estas manifestações.
O fornecimento de gás russo à Europa torna-a subserviente perante a Rússia?
Sim, claro, há alguma dependência económica e isso pode influenciar a tomada de decisões mais firmes, mas percebo também que cada país europeu também tem interesses próprios económicos e devem, por isso, encontrar um compromisso.
De que forma é que a divulgação de dados pessoais de manifestantes russos pela CML ao Kremlin o afetou?
Afetou bastante. Como opositor de Putin, já assumi há muito tempo o risco de que tenham dados meus e que me possam perseguir na rua. Mas desde que fui organizador das manifestações de apoio a Navalny em Lisboa, também fiquei responsável pelas pessoas que nelas participaram. Algumas dessas pessoas viram os seus dados revelados e ficaram com medo, outras ficaram com dificuldades em dormir e alguns cancelaram viagens para a Rússia. Não regressaram mais. Muitas pessoas deixaram de participar de qualquer atividade política a partir quando souberam que os seus dados foram revelados.
A CML ou o Governo português falaram, na altura, de um “erro lamentável”. Houve um pedido de desculpas formal ou alguma ação para minimizar o risco?
Houve vários pedidos de desculpa por parte de Fernando Medina, mas não houve nenhuma responsabilização política. Houve uma demissão de um funcionário da CML, mas Medina, enquanto político, não assumiu essa responsabilidade. Fernando Medina acabou por perder as eleições e desse forma a responsabilidade política materializou-se. Também fizemos queixa ao Ministério da Administração Interna. Na altura, o ministro Eduardo Cabrita disse que não era responsável. Não teve uma postura de ministro. Agora acabou por se demitir, por outro caso, mas Cabrita foi de alguma forma responsável por esta divulgação de dados.
Chegou a processar a CML?
Ainda não, mas temos plano para fazê-lo. Estranhamente, a CML falou com uma das organizadoras a oferecer proteção policial, mas para isso queriam mais informações nossas. Obviamente não tínhamos qualquer confiança na CML, uma vez que já tinham partilhado os nossos dados. Optámos por não partilhar mais dados para não correr mais riscos.
Chegou a equacionar sair de Portugal?
Não, não, continuo a considerar Portugal o país mais seguro do mundo.
Mas disse numa entrevista ao jornal “i” que se sentia “receoso” quando andava na rua em Lisboa.
Sinto-me menos seguro, mas não em perigo.
Teme ser alvo do Kremlin mesmo estando exilado em Portugal?
Nunca sabemos. Este ano foram revelados vários casos de figuras da oposição que foram envenenados como Navalny. Algumas dessas pessoas nem eram muito importantes do ponto de vista político. Portanto, não sabemos quem vai ser o próximo. Pode sempre acontecer.
Existem agentes a trabalhar para os serviços secretos russos em Portugal?
Com certeza que sim. Entre as várias pessoas que trabalham nas embaixadas em todos os países, há agentes secretos. Disto não tenho dúvidas.
Alguma vez suspeitou de um contacto “estranho” em solo português?
Quando cheguei a Portugal, uma suposta empresa quis recrutar-me para fazer um levantamento de dados. Queriam um relatório de uma ou duas páginas sobre russos que entravam em Portugal. Queriam saber os seus hábitos. Supostamente era para fins comerciais, mas rapidamente percebi que provavelmente queriam obter informações políticas sobre dissidentes em Portugal. Recusei de imediato.
Pensa regressar à Rússia?
Quero regressar, sim. Agora não é possível, mas quero voltar quando o regime de Putin terminar.