A 3.470 metros de altura, mesmo junto à fronteira entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, o fumo que costuma sair da enorme caldeira do vulcão Nyiragongo inspira respeito. Com dois quilómetros de diâmetro, esta caldeira – há outra ao lado, mas a vegetação já a cobriu – é conhecida pelo dantesco lago de lava que alberga, com 200 metros de largura, o mais volumoso do mundo entre os que mostram uma atividade contínua. Para ser mais concreto, o nível de lava vai variando, e, recentemente, a altura do lago com material em fusão voltou a subir, indicando que uma erupção pode estar para breve.
O alerta é dado pelo vulcanologista italiano Dario Tedesco, responsável por ter liderado, no início deste ano, uma equipa de investigadores que foi espreitar e fazer medições à cratera do Nyiragongo. De acordo com o especialista da Universidade da Campânia Luigi Vanvitelli, a lava está a subir a um nível alarmante desde 2016, em comparação com o período de 2010 a 2016, aumentando o risco de fissurar as paredes da caldeira e deslizar pela encosta abaixo.
A crer nos cálculos que a equipa fez, o lago de lava atingirá uma altura perigosa daqui a quatro anos, mas um tremor de terra poderá levar a que tudo se precipite mais cedo. Além do mais, o Observatório de Vulcões de Goma, o único que monitoriza a atividade vulcânica na região, vai deixar de receber verbas do Banco Mundial, refere a revista Science. Para Dario Tedesco, a soma de todos estes problemas fazem do vulcão Nyiragongo “o mais perigoso do mundo”.
Em 2002 a lava entrou pela cidade adentro... e pode voltar a acontecer em breve
O estratovulcão Nyiragongo, em conluio com o vulcão vizinho Nyamuragira, são responsáveis por 40% das erupções vulcânicas que estão documentadas no continente africano, tendo como cartão-de-visita uma torrente de lava alcalina extremamente fluída. Ambos estão situados no famoso parque natural de Virunga. O que os mantém em atividade é o rifte Albertina, uma falha geológica que passa pela região.
Já agora, o que é um estratovulcão? Nada mais do que um vulcão em forma de cone, o qual ganha esta forma devido a várias camadas acumuladas de magma expelido, a rocha em fusão que está debaixo da superfície terrestre e que, depois de vir à tona, passar a receber a designação de lava.
Foi em 2002 que ocorreu a sua última erupção, causando o desastre à cidade fronteiriça e congolesa de Goma, situada na margem norte do lago Kivu – outra formação natural com potencial para ameaçar a vida humana, devido aos gases (principalmente dióxido de carbono) de origem vulcânica que podem sair abruptamente das profundezas desta massa de água. Estima-se que tenham morrido cerca de 250 pessoas, após rios de lava terem descido o flanco da cratera e chegado a Goma, que está a apenas 15 quilómetros do monte, destruindo cerca de 20% da urbe e obrigado centenas de milhar a fugir.
Atualmente, o risco para a vida humana poderá ser maior, pois a população que vive na área que circunda o vulcão duplicou em relação a 2002, tendo chegado aos 1,5 milhões de pessoas. Além de Goma, também a cidade próxima de Gisenyi, no Ruanda, está sob ameaça, apesar de ter escapado incólume à última erupção: foi para aqui que largos milhares fugiram e se refugiaram, aquando do desastre de 2002.
Nesse ano, tudo teve início, como explica a revista Science, após um tremor de terra ter aberto fissuras na encosta sul do vulcão. O lago de lava com 200 metros de diâmetro esvaziou-se em apenas algumas horas, libertando um rio de matéria em fusão que chegou a atingir os 60 quilómetros por hora e levou tudo à sua frente. No interior da cidade de Goma, a lava chegou aos dois metros de altura, e, ao desaguar no lago Kivu, criou um delta com 800 metros de largura.
As ‘feridas’ no flanco do General Nyiragongo, por onde a lava fugiu, acabaram por formar crosta e sarar, levando a que o lago na cratera voltasse a encher outra vez, como se nada tivesse sucedido.
Aumento do nível de lava pode não ser o principal problema
Na expedição protagonizada pela equipa de Dario Tedesco, descobriu-se que a altura do lago de lava voltou a subir devido a uma segunda abertura que surgiu no seu fundo, em 2016, e a partir do qual mais magma emerge. Esta nova abertura, estima-se, liberta em dez minutos o equivalente a uma piscina olímpica cheia de lava.
As suas descobertas e conclusões, publicadas no último verão, indicam que o aumento do volume do lago exerce uma pressão interna, no vulcão, equivalente a 20 vezes a pressão atmosférica, uma força muito superior à resistência mecânica dos flancos do Nyiragongo. Daí que alertem para a situação instável do vulcão e o perigo de um tremor de terra abrir fissuras, pelas quais a lava voltaria a sair.
Não obstante, há investigadores que apontam o dedo a outros motivos para que uma erupção ocorra, sem que o principal motivo seja o aumento do nível de lava no vulcão, tal como defendem Dario Tedesco e os seus colegas.
A geóloga Cynthia Ebinger, da Universidade de Tulane, em Nova Orleães (EUA), especialista no Vale do Rifte, o enorme sistema de falhas geológicas em África do qual faz parte o rifte Albertina, frisa à Science que o alongamento das placas tectónicas na região é responsável pela ocorrência de sismos e de novo magma que emerge à superfície, os quais podem despoletar erupções vulcânicas.
O Observatório de Vulcões de Goma, o único na região e no qual também trabalham investigadores europeus, monitoriza atentamente os humores do General Nyiragongo, tendo registado nos últimos tempos uma alta atividade sísmica. François Kervyn, que estuda a atividade vulcânica neste ponto de África, e que também é diretor do departamento de riscos naturais do Museu Real para a África Central, na Bélgica, não sabe dizer até que ponto estes dados, obtidos pelo observatório, são comuns, pois falta informação mais antiga com a qual possam comparar. Também à revista Science, relembra que meses antes da erupção de 2002 sentiu-se o troar contínuo de tremores, “mas, por agora, nada igual foi detetado”.
Mas o que ameaça mesmo agitar o Observatório de Vulcões de Goma tem origem humana, não natural. A sua rede de sismógrafos encontra-se coxa, devido a várias avarias nestes aparelhos, mas repará-los é uma aventura perigosa, devido aos constantes surtos de violência armada, como a que ocorreu no início deste ano: uma dúzia de guardas do parque natural de Virunga foram mortos numa emboscada. Ao mesmo tempo, a ajuda financeira que o observatório recebeu desde 2015 através do Banco Mundial, e que chegou aos 2,3 milhões de dólares, vai desaparecer, tal como confirma a instituição.
Este rombo no orçamento levanta muitas perguntas inquietantes: conseguirá a equipa de 40 pessoas do observatório continuar a vigiar todo o tipo de atividade do vulcão Nyiragongo e do lago Kivu, como fez até agora? Estarão prontos para dar o alarme de evacuação se uma erupção ocorrer?
Lago Kivu é uma Coca-Cola à beira de explodir
Com uma profundidade máxima de quase 500 metros, a atividade vulcânica debaixo da superfície de água do lago Kivu nunca parou, gerando gás, principalmente dióxido de carbono (CO2), que se foi infiltrando nas suas águas, saturando-as. Este dióxido de carbono, ao misturar-se na água, forma algo semelhante a uma bebida gasosa.
Ou seja, temos uma mistura gasosa, cheia de CO2, que quer sair para o exterior, tal como quando agitamos uma garrafa de Coca-Cola. Ela só não sai porque a massa de água que está por cima desta amálgama, devido ao seu peso, acaba por funcionar como se fosse a tampa da garrafa.
Se um dia a nuvem de gás escapar, estima-se que dois milhões de pessoas correrão perigo de vida. Basicamente, este tipo de erupção, também conhecido como o fenómeno do “lago explosivo”, ocorre quando o dióxido de carbono irrompe da água e liberta-se à superfície, asfixiando toda a vida animal que se encontra nas suas imediações: seres humanos, gado e outros animais selvagens, nada escapa.
Eis o motivo para o lago Kivu ser igualmente monitorizado. Na eventualidade de uma erupção do Nyiragongo, um dos maiores receios é que a sua lava chegue ao lago e crie um efeito disruptivo, furando a tampa de água e libertando o gás de forma abrupta.
O geólogo Digne Rwabuhungu, da Universidade do Ruanda, recorda, ao jornal ruandês The New Times, a apreensão sentida em 2002: “Na altura, o nosso medo e a grande questão que tínhamos era o que aconteceria com o lago Kivu, porque sabíamos que quando a lava fluísse para o lago isso destruiria a sua estabilidade”. Felizmente, e quando nesse ano a lava chegou à água, a sua velocidade e temperatura já não eram suficientemente elevadas para gerar um fenómeno.