
As práticas de democracia participativa, como orçamentos participativos ou assembleias municipais de jovens, têm-se dispersado geograficamente em Portugal, apesar de serem mais recorrentes nos municípios com maior densidade populacional e no litoral, indica o estudo “Inovações Democráticas em Portugal”, coordenado pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
Os resultados preliminares, que serão apresentados em detalhe esta terça (24) na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, têm base num trabalho de três meses, e ainda terão de ser confirmados quando a investigação for concluída, no começo de 2026.
Em declarações à agência Lusa, o coordenador deste estudo, o investigador do ICS Roberto Falanga, indicou que o intuito foi perceber a evolução, nos 50 anos desde o 25 de Abril de 1974, das práticas de participação democrática dos cidadãos "para além do voto eleitoral, dos referendos, das petições".
De orçamentos participativos, a assembleias municipais com jovens e crianças ou fóruns relacionados com ordenamento territorial, estes investigadores estão a basear-se em inquéritos a municípios e análise a artigos de comunicação social para analisar a evolução dessas práticas, que será complementada, após as eleições autárquicas, por uma pesquisa aos arquivos de Lisboa, Porto e Évora.
Desde já, de acordo com dados recolhidos em três meses, Roberto Falanga frisou que o que se pode verificar é que houve um "aumento exponencial" deste tipo de práticas em Portugal nos últimos dez anos.
No entanto, Roberto Falanga ressalvou que esse aumento não se deve tanto ao facto de haver um "maior envolvimento [político] da população", mas sobretudo por este tipo de práticas estar muito mais documentada agora do que há dez ou 20 anos, sendo mais facilmente captada pela investigação.
A nível territorial, Roberto Falanga destacou que os municípios onde se recorre mais a este tipo de práticas são os que têm "maior densidade populacional e, em particular, cidades no litoral", como Lisboa, Cascais ou Loures, apesar de haver algumas exceções, como Valongo, Guimarães ou Braga.
“Dispersão geográfica” aumenta: já não é só em Lisboa, que foi superada pelo Norte
O investigador referiu, contudo, que se tem verificado uma "dispersão geográfica" deste tipo de práticas em todo o território português, que contrasta com o que se observava nos anos 2000, quando havia uma “clara concentração” na Área Metropolitana de Lisboa.
“A partir de 2014/2015, começámos a ter uma dispersão de práticas, sobretudo no centro e norte do país. Aliás, nos últimos dois anos, nós tivemos uma [subida a] pique, entre 2019 e 2022, de práticas e a região com mais práticas agora é o norte, já não é a Área Metropolitana de Lisboa”, referiu.
Essas práticas, segundo os resultados preliminares do estudo, são maioritariamente da iniciativa dos próprios municípios e servem sobretudo para “resolver problemas”, havendo poucas iniciativas com o intuito de desenvolver “uma agenda futura coletiva” ou “monitorizar ou avaliar políticas públicas existentes”.
Entre as áreas de políticas públicas onde estas práticas são mais recorrentes, Roberto Falanga destacou as finanças e economia, com os orçamentos participativos, a educação, com assembleias municipais com jovens e crianças, ou o ordenamento do território, com fóruns relacionados com planeamento urbano.
O investigador defendeu que estas práticas “são importantíssimas” para a saúde da democracia e comprovam que a “democracia é muito mais do que o momento eleitoral”.
“Há mais formas, há outras formas de reconstruir a ligação entre o eleito e o eleitor. [Estas práticas] podem ter uma função não só para resolver problemas práticos e melhorar as políticas públicas, mas para reforçar os próprios valores democráticos”, disse.