
Em entrevista à agência Lusa, Mahomed Iqbal afirmou que a chegada de muitos imigrantes muçulmanos de origem asiática gerou "muita desinformação" dirigida contra os muçulmanos em Portugal, para a qual contribuiu "algum aproveitamento em termos políticos".
Para o dirigente da CIL, a chegada de milhares de imigrantes, depois de uma primeira imigração essencialmente lusófona, gerou "dúvidas e preocupações" em parte da sociedade e o discurso contra os muçulmanos "começou a ganhar protagonismo".
"Nós sentimos isso, procuraram atirar para o 'social media' [redes sociais] questões específicas que não são verdade" e que deturpam a realidade em vez de "mostrarem o tipo de riqueza cultural" que a chegada de novos imigrantes traz ao país.
Parte dos receios é visto como algo "natural e normal", segundo Mahomed Iqbal, admitindo que existam "choques de cultura", porque há uma "adaptação de cultura à outra", mas isso são questões que "o tempo resolve", com a integração dos imigrantes.
Nascido em Moçambique, Mahomed Iqbal é o terceiro presidente da CIL, uma instituição que tem representado a maioria dos muçulmanos em Portugal na relação com a sociedade ou com o Estado, na Comissão de Liberdade Religiosa.
Fundada em 1968, a CIL gere a Mesquita Central de Lisboa e tem tido uma forte representação de origem moçambicana e guineense.
É palco de oração de milhares de pessoas, mas o espaço polivalente é várias vezes cedido para outras atividades e a CIL possui também um recinto desportivo onde se podem praticar desportos, existindo acordos de cedência do campo para o futsal do Benfica.
"Quer maior exemplo de tolerância e de integração social?" -- questionou, sorrindo.
Para este aumento do discurso contra muçulmanos também contribuiu o facto de "termos tido três eleições em pouco tempo", além do impacto da pandemia, que alterou as relações sociais entre as pessoas.
"Depois da pandemia houve uma nova realidade, uma nova forma de ser. Não sei explicar isso muito bem, mas senti isso fortemente e acredito que a pandemia representou uma barreira muito forte em termos de vivência", disse Mahomed Iqbal.
Há uma semana, a CIL emitiu um comunicado a queixar-se dos ataques e do discurso de ódio contra muçulmanos e, dias depois, o imã David Munir foi insultado numa cerimónia de antigos combatentes no dia 10 de Junho, com a sua presença também criticada pelo líder do Chega, André Ventura.
"As pessoas têm direito à sua crítica. Nós não estamos contra isso, mas que seja baseada na verdade", disse, sem querer personalizar, Mahomed Iqbal, reconhecendo que os muçulmanos em Portugal têm sido alvo de ataques vários, que "não têm qualquer fundamento de verdade".
"Graças a Deus, temos merecido de um respeito enorme e temos tido uma vivência extraordinariamente pacífica dentro da sociedade portuguesa, nós estamos completamente enraizados e nunca tivemos necessidade de nos preocupar", acrescentou, recordando que Portugal tem sido, na Europa, "um exemplo de convivência de fés e credos".
Recentemente, "houve uma vaga de imigrantes que vieram à procura de uma melhor vida, vindo de subcontinente indiano. Nós damos as boas vindas às pessoas e queremos, piamente, que seja uma imigração ordenada, que as pessoas sejam bem-vindas, que tenham um posto de trabalho, que tenham uma vivência fantástica e que estejam legais", explicou.
Exemplo das preocupações com a integração é o facto de os sermões, às sextas-feiras, serem feitos em português, com apelo à integração dos filhos nas escolas e ao respeito da cultura laica portuguesa, como aconteceu com a comunidade muçulmana mais antiga em Portugal.
"Nós não nos consideramos diferentes" e "somos todos portugueses", disse, rejeitando também a conexão que muitos fazem entre islamismo e extremismo ou entre imigração e criminalidade.
Entre a comunidade islâmica portuguesa, "não temos casos específicos de extremismos", mas, "aqui na mesquita temos muito receio que possa haver, porque, naturalmente, estamos expostos ao mundo" e "há pessoas que podem entrar no nosso país", com outras intenções, explicou.
Por isso, "temos um relacionamento com as autoridades de segurança do país muito próximo" e, "à mera suspeita de alguma situação específica que aconteça, fazemos um telefonema, quer para a Polícia Judiciária, quer para a Polícia de Segurança Pública a avisar", acrescentou o líder da CIL.
"Pegamos no telefone, ligamos às pessoas certas e avisamos, porque esse é o nosso dever. Nós queremos que o cidadão português, o cidadão lisboeta, se sinta seguro na sua casa, na nossa casa", resumiu.
*** Paulo Agostinho (texto), Hugo Fragata (video) e Tiago Petinga (fotos), da agência Lusa ***
PJA // ZO
Lusa/Fim