
O Programa Alimentar Mundial (PAM) alertou ontem que a situação em Gaza está "pior do que nunca", com uma em cada três pessoas a passar vários dias sem comer.
Num encontro com a imprensa em Nova Iorque, o diretor adjunto do PAM, Carl Skau, forneceu detalhes sobre a mais recente visita a Gaza, onde se encontrou com várias famílias que relataram não terem acesso a comida.
"A situação é pior do que alguma vez vi antes. A situação está pior do que nunca. E vem de dois lados: primeiro, as necessidades humanitárias nunca foram tão grandes. Mas também a nossa capacidade de responder e ajudar nunca foi tão limitada", sublinhou.
Um relatório recente apontou que toda a população do enclave palestiniano está em grave situação de insegurança alimentar e 500.000 pessoas passam já fome.
Mas a situação "só piorou" nos últimos dias, garantiu Skau, indicando que 90.000 crianças precisam urgentemente de tratamento para a subnutrição.
"Uma em cada três pessoas em Gaza passa dias sem comer. (...) Algumas mães contaram-me que tentam que as crianças não brinquem para que não gastem mais energia do que aquela que conseguem obter através da comida", relatou o representante do PAM.
Além da insegurança alimentar, Skau destacou igualmente a situação das deslocações forçadas a que os palestinianos são submetidos devido a ordens de Israel.
Se em fevereiro, quando visitou Gaza pela penúltima vez, conheceu famílias que se mudaram entre duas ou três vezes, agora esse número subiu para "20 ou 30 vezes".
"E, obviamente, cada vez conseguem levar menos coisas com elas e as margens de sobrevivência são mais reduzidas. Também o facto de as pessoas estarem a morrer todos os dias a tentar obter comida acho que é a ilustração mais gritante de quão desesperante é a situação", reforçou.
Quase 800 pessoas foram mortas em Gaza desde 27 de maio, enquanto tentavam obter ajuda, na maioria perto de locais geridos pela fundação humanitária apoiado pelos EUA e por Israel, anunciou a ONU.
Entre 27 de maio, quando a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês) iniciou as operações, e 07 de julho, a ONU registou 798 mortos, incluindo 615 perto dos locais da GHF, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, numa conferência de imprensa em Genebra.
"A maioria dos ferimentos são de bala", explicou a porta-voz.
A ONU e as principais organizações de ajuda humanitária recusaram-se a trabalhar com a GHF, alegando que esta fundação está ao serviço de objetivos militares israelitas e viola os princípios humanitários básicos.
Face ao ambiente operacional que as equipas da ONU enfrentam no terreno, Skau disse que é "simplesmente impossível" trabalhar, uma vez que em cerca de 85% do enclave existem operações militares ativas.
"As nossas equipas ficam presas à espera de autorizações e em postos de controlo, passando muitas vezes 15 a 20 horas seguidas nos veículos", adiantou.
"Não há combustível suficiente, não há peças de substituição suficientes para os nossos veículos, a maioria dos vidros foram danificados e não temos comunicação básica. As antenas de rádio dos nossos carros foram arrancadas e, por isso, se estivermos a mais de 20 metros de distância um do outro, não teremos uma comunicação adequada", explicou.
Apesar de apelar para progressos na entrega de ajuda humanitária, o diretor adjunto do PAM admitiu que não serão suficientes "para virar o jogo da fome".
"Isso é uma certeza. Portanto, o que realmente precisamos é do cessar-fogo", frisou.
O PAM tem alimentos suficientes nas fronteiras para entregar a toda a população de Gaza durante cerca de dois meses, afirmou Carl Skau, sublinhando a necessidade urgente de um cessar-fogo e de condições para operar.