O multilateralismo não pode ser apenas uma definição do léxico internacional. Este conceito em crise exige cada vez mais relações empenhadas entre os estados. Na actual encruzilhada geopolítica, o foco colectivo na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) é imprescindível, e a única forma de sobrevivência do processo de combate às alterações climáticas.

O percurso das mais recentes COPs (Conferências das Partes da CQNUAC) tem-se revelado um processo árduo na consistência de um multilateralismo eficaz no combate ao aquecimento global. As intenções dos “Estados Partes” (signatários do acordo sobre o clima) são frequentemente marcadas por negociações longas que se arrastam até à última hora e, muitas vezes, com o inevitável adiamento de cruciais compromissos para a COP vindoura.

Neste cenário de enfraquecimento da acção colectiva, e de um círculo vicioso de iniciativas negociais sucessivas, cresce o risco de assistirmos a um multilateralismo inoperante e desligado da realidade, comprometendo a confiança dos cidadãos no processo climático global. Uma inversão deste caminho, assente numa postura orientada para o reavivar do multilateralismo climático, tem surgido através de alguns sinais positivos durante os trabalhos preparatórios da COP30 a realizar-se no Brasil, de 10 a 21 de novembro deste ano.

No âmbito da “June Climate Meetings” (SB 62), 62.ª sessão dos Órgãos Subsidiários da CQNUAC, que decorreu entre os dias 16 e 26 de junho, na cidade de Bona, deu-se um passo em frente no desenvolvimento de uma partilha de experiências entre os “Estados Partes”, criando uma expectativa favorável para a realização da COP30 com uma agenda centrada na acção climática e uma estabilização do financiamento climático.

Pela primeira vez, teve lugar uma reunião entre as partes, para uma sessão do Grupo de Trabalho denominado “Facilitative, Multilateral Consideration of Progress" (FMCP), integrado na Estrutura de Transparência Aprimorada (Enhanced Transparency Framework - ETF). Criada pelo Acordo de Paris, a ETF tem como objectivo reforçar a transparência e o acompanhamento das acções climáticas, bem como do apoio financeiro, tecnológico e de capacitação entre os países.

Em sintonia com uma visão multilateral, a FMCP actua como uma plataforma de diálogo que permite aos países compartilhar avanços, debater desafios e fomentar a aprendizagem mútua na implementação de seus compromissos climáticos. Todas estas novas partilhas podem e devem funcionar como um motor essencial para a próxima COP (30) tornar-se numa COP de acção e não vergada somente à negociação.

Em paralelo, durante os trabalhos da SB 62, mais de 200 organizações de acção climática, em conjunto com a Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) fez um apelo urgente a uma reforma da CQNUAC para garantir um multilateralismo eficaz que promova a acção climática, em vez de arriscar retrocessos na justiça climática e nos direitos humanos.

Nesse manifesto, aponta-se que a CQNUAC atingiu um ponto crítico de ruptura. Assinala-se no documento que as negociações climáticas têm falhado sistematicamente em promover a justiça climática, desde a marginalização de estados vulneráveis, Povos Indígenas e da sociedade civil, até à permissão que os países mais ricos, e os maiores poluidores históricos, evitem obrigações legais e a devida prestação de contas. Segundo este movimento, a maior abrangência das COPs não se traduziu em decisões mais eficazes e inclusivas.

Na verdade, é altura de refletir e assumir a realidade: os compromissos assumidos até agora não conseguiram garantir a justiça climática, tendo marginalizado as nações com maior exposição e menos responsáveis pela crise climática. De facto, os estados desenvolvidos, como os principais responsáveis pelas emissões, continuam a falhar no cumprimento das metas de financiamento climático que eles próprios classificam como urgentes e essenciais. Esta incoerência mina, de forma crescente, os alicerces do direito internacional.

Por outro lado, actualmente, assistimos a mudanças políticas que passam pelo aumento das despesas com a defesa e pela redefinição das prioridades nacionais, o que levará à redução de muitos orçamentos europeus de ajuda à causa climática.

Na União Europeia (UE), o rearmamento dos países e vinculação a métricas orçamentais, é uma realidade certa. A indústria do armamento e a reindustrialização europeia mostram-se como solução arregimentada para alavancar a economia. Alguns sinais recentes vindos da Comissão Europeia são indiciadores de uma vontade política de aliviar os procedimentos exigíveis às empresas na medição dos impactos climáticos. Ou seja, o multilateralismo climático europeu está a sofrer transformações pouco ambiciosas no combate às alterações climáticas.

Outro factor adverso reside na saída formal dos Estados Unidos da América do Acordo de Paris, prevista para dentro de um ano. A concretização desse abandono, nos termos normativos estabelecidos, constituirá um retrocesso na marcha global para o combate às alterações climáticas.

Passados dez anos desde o Acordo de Paris, o multilateralismo está à prova de fogo e poderá colapsar se não soubermos reconhecer que a exclusão sistemática de vozes provenientes das comunidades locais, aliada à falta de mecanismos eficazes de cumprimento, compromete a credibilidade do processo multilateral.

A COP 30 não pode ser apenas mais uma conferência no calendário dos “Estados Partes”. Este é o momento de responder ao repto de libertar o processo climático da condição de refém dos interesses restritos de uma minoria e de o transformar num verdadeiro reforço do multilateralismo climático.

Nota: A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico