Sem qualquer espécie de desrespeito pelo Casa Pia ou por Rio Maior, o golo com que Rodrigo Mora, aos 5 minutos, decidiu a partida com os gansos a favor da sua equipa, merecia outro palco e mais do que os 3649 espetadores que presenciaram o prélio ao vivo. Maradona e Pelé tiveram as suas maiores expressões de génio em fases finais de Campeonatos do Mundo, Eusébio e Cristiano Ronaldo em jogos entre a nobreza da Champions, um contra o Real Madrid e o outro, em casa da Juve, pelo Real Madrid. O golo de Mora fica mais perto, em impacto, daqueles conseguidos por Ronaldo Nazário contra o Celta de Vigo, ou Messi frente ao Eibar, geniais, mas muito para lá do cenário em que ocorreram. Foi assim: a roleta faz parte dos jogos de sorte e azar; mas aquela, ao nível do melhor Zidane, que o ‘teenager’ portista conseguiu na cara do experimentadíssimo José Fonte, para a seguir enfiar a bola no fundo das redes de Patrick Sequeira, não teve a ver nem com sorte nem com azar, apenas com génio, puro e simples, que sai da lâmpada onde ainda cresce, cada vez com maior frequência. 

Pois é, falar desde jogo sem homenagear Mora pelo prazer que deu a quem gosta de futebol, era como ir a Roma e não ver o Papa (que felizmente já apareceu em público...). E até acabou por ficar bem que fosse aquela explosão de talento a sentenciar o destino dos pontos, que começaram por parecer muito fáceis para o FC Porto, mas acabaram por ser sofridos, com os dragões encostados às cordas, a aguentar as investidas dos gansos. 

FC PORTO MELHOR 

Com as duas equipas armadas em 3x4x3, foram os dragões a começar por mandar de forma total nas operações, devido, sobretudo, a duas circunstâncias: a primeira foi a superioridade que criaram a meio-campo, para a qual o Casa Pia não encontrou antídoto durante 45 minutos. Mas se as equipas tinham o mesmo desenho, como é que uma se superiorizou à outra, numa determinada zona do terreno? Fácil. O FC Porto, com muita facilidade, incorporava João Mário no meio-campo, passando a uma defesa a quatro com Zé Pedro a tomar conta da direita, o que permitia a Pepê jogar pelo meio, provocando desequilíbrios.

Esta vantagem portista foi ainda reforçada pelas incursões, sempre que não tinha adversário direto, de Eustáquio para as imediações de Varela, o que criou tempo e espaço para os portistas terem marcado um golo, ameaçando com alguns mais. Se a isto juntarmos a forma kamikaze como o Casa Pia abordou as saídas de bola – parecia que estavam a jogar com regras diferentes, que obrigavam a que todas as jogadas começassem de trás -, teremos uma mão cheia de ocasiões que os dragões podiam ter aproveitado, ao recuperarem a bola com a facilidade de quem até parecia surpreendido pela gentileza dos gansos. Pese embora a velocidade de Livolant, a boa qualidade de Larrazabal ou a entrega de Cassiano, quando o árbitro apitou para intervalo o resultado era lisonjeiro para os gansos, que apenas alinharam um contra-ataque, com alguma intencionalidade, aos 39 minutos.

OUTRO CASA PIA 

O descanso fez bem aos gansos, que deixaram de ‘entregar o ouro ao bandido’ à velocidade que vinham fazendo, e passaram a equilibrar melhor as operações, essencialmente porque o FC Porto, que não é, de todo, uma equipa confiante, teve um acentuado abaixamento físico, o que levou a equipa a, paulatinamente, ir baixando linhas.

E no jogo das substituições, João Pereira até se mostrou mais afoito que Martin Anselmi, porque conseguiu condicionar os dragões sem desequilibrar a sua equipa. Enquanto o Casa Pia apostou no veloz Henrique Pereira (64), para dinamizar a esquerda do ataque, o FC Porto começou a trocar peça por peça, sem outro sentido que não fosse refrescar a equipa (João Mário e Pepê por Martim Fernandes e Gonçalo Borges).

Mas foi quando faltavam 17 minutos para o final da partida que o Casa Pia mexeu muito na equipa, colocou Vinicius ao lado de Cassiano, refrescou as alas e colocou mais uma unidade no meio-campo, assumindo o controlo da partida. Anselmi ainda trocou Gul por Samu (um e outro, insuficientes), mas o reconhecimento público do técnico argentino do sufoco territorial por que estava a passar, com inúmeros cantos e cruzamentos (é verdade que sem nenhuma ocasião de golo clara dos gansos!) foi a entrada de Otávio para reforço aéreo do trio de centrais, passando Eustáquio para médio defensivo, por troca com Mora, médio ofensivo.

Sem outro champanhe (e foi uma colheita especial de Cristal, por certo) do que aquele que foi servido generosamente por Rodrigo Mora, o jogo encaminhou-se para o fim sem que o triunfo dos dragões soasse a injustiça. Para lamber as feridas da goleada ante o Benfica, a vitória sobre os gansos foi útil. Mas, volto ao início, quem não viu o golo de Mora, veja. E delicie-se com aquela poesia em movimento.