1. Palavrão é insulto?
O futebol é um ambiente de exceções. De boas e más exceções. A natureza competitiva do jogo, aliada à sua intensidade emocional e ao impacto que tem na vida de tanta gente, facilita o uso de um tipo de linguagem que em ambiente social dificilmente seria tolerada.
Convém ter em conta que a adrenalina, o contacto físico e a luta pela vitória aumentam os níveis de exaltação, retirando a jogadores, treinadores e adeptos o controlo emocional que geralmente têm em todas as outras áreas das suas vidas.
Cabe ao árbitro - o único em campo "obrigado" a comportar-se exemplarmente a toda a hora - a gestão dessa linguagem, calibrando a linha entre aceitável e condenável. Entre legalidade e ilegalidade.
Essa não é uma gestão fácil. Pressupõe sensatez e capacidade de avaliar o momento com coerência, firmeza e sentido de justiça.
Quando um jogador diz um palavrão depois de não ser assinalada uma infração que ele achava que existia, o mais certo é não estar a direcionar a "ofensa" ao juiz ou aos adversários. Está apenas a desabafar, a libertar a sensação de injustiça que o assola naquele instante. Ora isso não é enquadrável em uso de linguagem ofensiva, injuriosa ou grosseira, como a Lei 12 impõe para lhe exibir o cartão vermelho.
A ideia é fácil de entender:
- Frustração momentânea é uma coisa, insulto direcionado é outra. Palavrão solto depois de levar pancada é uma coisa, ofensa olhos nos olhos a quem está mesmo à frente é outra.
Os impropérios não são bonitos de se ouvir e devem ser medidos, mas, numa atividade tão intensa a nível físico e emocional, é normal que exista quem tenha mais controlo e quem não se contenha tão bem.
Para quem quer perceber os critérios a avaliar nestes casos, fica a dica: ofender diretamente dá direito a expulsão. O resto é para enquadrar na circunstância e na formatação cultural da modalidade, apelando ao bom senso e à contenção.
Não custa nada e, mais importante, é aquilo que o futebol espera. Com coerência, claro.
2. O Comentador-Adepto
Regresso a este tema, procurando mais uma vez intervenção pedagógica junto daqueles que assumem essa posição em órgãos de comunicação social.
O "comentador-adepto" não é um jornalista. Não está sujeito ao seu código deontológico nem à obrigação profissional da independência e equidistância. Pelo contrário. São contratados para defenderem energicamente os seus clubes, de preferência atacando os rivais.
Não concordo com a opção editorial - já participei em formatos do género, sei do que falo - mas respeito-a, sabendo que é uma forma de garantir audiências, algo fundamental para a sobrevivência dos media privados. A escolha é eticamente discutível (afinal de contas, qual é o papel educativo que a imprensa deve desempenhar?), mas este é tema para outras núpcias.
O apelo agora é dirigido a todos os que exercem aquele papel: sejam mais contidos nos comentários, nomeadamente quando afetam terceiros. É possível defender os vossos interesses sem insinuar que os dos outros - ou os outros - são parciais, desonestos ou corruptos. Isso vale sobretudo para os comentários feitos em relação às arbitragens.
Todos temos família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. O impacto de algumas dessas declarações são nefastos e têm que ser responsabilizados.
Apelidar de incompetente, de mau árbitro, de mau analista ou de impreparado é uma coisa; sugerir que erram de propósito, que perseguem ou beneficiam alguém ou que são parciais, é crime.
A liberdade de expressão de cada um está balizada pela lei e limitada à interferência na dos outros.
Opinar publicamente pressupõe responsabilidade e ponderação, sobretudo quando o que se diz é ofensivo ou falso.
Façam o favor de pensar nisso.
A legítima pretensão em quererem voar mais alto não pode nem deve ser feita à custa do bom-nome dos outros. Isso dirá sempre mais de vocês do que daqueles que falam e no momento certo, ninguém se esquecerá disso.
Agora que a época está a fechar e em breve outra estará a iniciar, vamos tentar fazer parte da solução.