Numa construtora líder, não há só andaimes e betão armado, também há espaço para construir pessoas melhores, mais capazes e autónomas. Da mesma forma que uma universidade não cumprirá a sua missão se limitar a ação a despejar conhecimento e medir o êxito pela capacidade de retenção em disciplinas fechadas. Abrir-se ao mundo é a resposta para a necessidade de trazer o humanismo de volta à sociedade, e nesse desígnio a literatura, a música, a filosofia, o teatro, a expressão plástica e outras áreas criativas e de âmbito cultural têm um poder imenso. Uma empresa que o entenda, terá uma vantagem competitiva única no mercado global, além de funcionários mais felizes e realizados. E ganhará a corrida da inovação.
Numa conversa improvável, moderada pelo maestro Martim Sousa Tavares, estas foram algumas das conclusões e experiências partilhadas pela reitora da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e pelo presidente do grupo DST. Com a ligação entre a arte e a inovação no centro de mais uma das Beyond Profit Talks, by Fundação Santander Portugal, Isabel Capeloa Gil e José Teixeira deixaram exemplos dos esforços que eles próprios empreenderam, com resultados surpreendentes.
E se o final é mesmo feliz, nem sempre a ligação é natural. O que leva, por exemplo, o CEO de uma grande construtora a abrir tertúlias de poesia e aulas de filosofia à totalidade dos seus trabalhadores? Para José Teixeira, a resposta é clara: "Há interesse económico na cultura." E para os entendedores menos bons, explica a viagem: "Todos os líderes políticos, todos os professores e gestores deviam ler Padre António Vieira e aprender a importância de pescar pescadores para a causa do bem, do belo e da verdade. Se eu apoiar uma companhia de teatro de Braga ou a orquestra de jovens refugiados afegãos, vou ter um proveito intrínseco, ligado à bondade da ação, mas também vou contribuir para a cosmo-política, para uma maior abertura à diversidade e à formação. A cultura é o caminho mais curto para a abertura ao mundo. E isso, além de justiça, equidade e bem — que também são deveres dos empresários —, traz negócio e dinheiro."
É por isso que o empresário vem defendendo alterações à Lei do Mecenato, que empurrem os empresários para o papel de patronos das artes: não só melhoram as suas empresas e os seus colaboradores, como serão um trampolim para a cultura, bem essencial para Portugal competir num mercado global. Há mesmo muita economia nisto. "A inexistência de pensamento é pior do que a miséria. E a leitura é a ferramenta mais leve para sair da miséria", diz ainda José Teixeira, explicando assim as sessões de leitura e as aulas de Filosofia semanais disponibilizadas aos seus colaboradores.
Se podia parecer que estava tudo dito, a verdade é que esta conversa improvável ainda mal começava (e vale bem a pena assistir ao vídeo completo, partilhado no início desta página). E a experiência de Capeloa Gil ajudou a enriquecer este fim de tarde logo desde a ideia de que a sua missão à frente da UCP passava por "desfazer os silos do conhecimento". A resposta ao autoproposto desafio teve muitas formas, mas um instrumento fundamental foi a tripla formação em Filosofia, Política e Economia, que ali estreou, vencendo todas as resistências — incluindo o inabalável foco das cátedras nas respetivas áreas de conhecimento e a criação de novos padrões de avaliação que permitam pesar devidamente aquilo que não é concreto mas pode ter muito mais valor e servir muito melhor o futuro dos jovens.
"Tornar os diplomados aptos para uma abordagem ampla e integradora dos desafios que se impõem às sociedades" foi a semente que gerou esta formação, regada com a forte convicção da reitora de que "a universidade não deve ser um espaço de conforto, onde apenas se acrescenta saber nas áreas em que nos sentimos confortáveis; antes deve ultrapassar-se as linguagens específicas de cada área". "A universidade não serve só para formar profissionais qualificados, tem um papel na criação de caráter, de pensamento próprio, de transmitir ferramentas para cada indivíduo ser capaz de analisar informação complexa (que existe nas linguagens da literatura, das artes, do belo). Se não o fizer, estará desadequada da sua função de formar pessoas preparadas para enfrentar os desafios reais da sociedade, da pobreza à justiça. Cultivar a cultura é formar indivíduos melhores."
Sabendo que a superficialidade preside hoje ao nosso desenvolvimento, Isabel Capeloa Gil questiona: "Como vamos refazer-nos enquanto sociedade, como vamos continuar criativos, disruptivos, empáticos, seres sociais? Porque o isolamento diminui o ser humano — e a Inteligência Artificial (IA) pode piorar a situação..." Ou melhorar. Depende do que se faz com o tempo que ganharemos quando a IA nos permitir deixar de estar submersos em tarefas rotineiras, libertando-nos para mais criatividade, aprendizagem e cultura.
Mas é preciso saber aproveitar esse tempo que vamos ganhar — e conseguindo-o, todos teremos a ganhar, organizações incluídas. "Nenhuma empresa vive só do tempo da formiga", lembra José Teixeira (e é impossível a quem o escuta não recordar o recente caso de Carlos Tavares à frente da PSA, caído em desgraça pela incapacidade de tirar os olhos do resultado imediato). Continua: "Há tempo de necessidade e tempo de liberdade; e este não deve ser de preguiça, mas antes ser aplicado no conhecimento, na entreajuda, é o tempo cívico."
O empresário vinca de novo que este investimento em abrir a cultura a todos não é "uma esmola" nem o faz para tentar agradar a ninguém. É pelo bem comum, incluindo o da própria empresa, que só tem a ganhar com pessoas mais abertas ao mundo, mais capazes de pensar (mesmo para contrariar ideias e hábitos que podem melhorar com uma nova visão) e de inovar.
Ainda há tempo para Martim Sousa Tavares lançar um último desafio: "Fala-se em investimento em saúde, mas nas artes só falamos de apoio. Falta pensar no retorno da cultura?" "Ninguém quer uma cultura miserável, mas é preciso mudar o paradigma e a grande reforma a fazer não é no Ministério da Cultura, mas no da Educação", defende José Teixeira. Para o presidente da DST, "falta ficção à gestão". "A literatura tem o poder de ficcionar, a ficção científica tem ciência, mas a economia continua muito conservadora, demasiado focada nos riscos e nos KPI." A visão é partilhada por Isabel Capeloa Gil: "Na Alemanha, a cultura movimenta mais dinheiro do que o setor automóvel. É a isso que devemos ambicionar. Não queremos artistas miseráveis, queremos que se ganhe dinheiro com a cultura." E o CEO remata: "Precisamos de um relatório Draghi para a cultura."
Isabel e José já estão a fazer a sua parte, abrindo as mentes, jovens ou maduras, ao mundo, criando cidadãos autónomos, livres, curiosos e abertos a conhecer as diferenças e a riqueza das culturas, da arte, do muito que nos distingue, para concluir que há uma base de humanidade comum mas uma miríade infindável de possibilidades que só a imaginação e o conhecimento desbloqueiam. E é assim que se chega à inovação, à criatividade aplicada a áreas menos óbvias. Como contratar poetas para pensar o futuro da construção, como fez José Teixeira.