
Num contexto de transformação acelerada do sistema financeiro global, Philip R. Lane, membro da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE), reconhece a relevância crescente dos ativos digitais no panorama financeiro, em particular, o papel que as ‘stablecoins’ poderão ter no ecossistema dos pagamentos internacionais.
Num discurso na Casa do Euro, em Bruxelas, nesta quarta-feira, Lane reconheceu o potencial destes ativos emitidos por empresas privadas indexados a uma moeda fiduciária ou a um bem como o ouro, para melhorar a eficiência das transações transfronteiriças. No entanto, salientou que estas moedas digitais não possuem os atributos fundamentais que caracterizam a moeda emitida por um banco central.
O seu discurso procurou esclarecer o papel que o euro digital poderá desempenhar neste novo ecossistema monetário, em contraste com os limites estruturais das ‘stablecoins’, e reforçar a importância estratégica do projeto do euro digital para assegurar a resiliência, soberania e integração do sistema de pagamentos da área do euro.
“Um euro digital poderia ajudar a manter a autonomia monetária da área do euro, garantindo um papel direto no retalho para a moeda digital do banco central”, referiu.
Na sua perspetiva, ao complementar o dinheiro físico com dinheiro digital, melhora-se a resiliência e moderniza-se o sistema monetário tradicional. “Pode haver alguns casos de utilização potencialmente válidos para as ‘stablecoins’, especialmente no que diz respeito à melhoria da eficiência dos pagamentos transfronteiriços, pelo menos em comparação com a infraestrutura de pagamentos global existente. No entanto, as ‘stablecoins’ carecem de atributos essenciais da moeda do banco central”, referiu Lane.
Entre outras limitações, tal como salientado no recente Relatório Económico Anual do Banco de Pagamentos Internacionais, “a oferta de ‘stablecoins’ não é elástica (ao contrário da moeda do banco central), uma vez que a sua emissão é impulsionada por compras antecipadas dos clientes. Em contrapartida, a moeda do banco central pode ser emitida de forma elástica (especialmente durante uma crise), através de empréstimos a contrapartes ou de operações de mercado aberto. Além disso, a paridade um-para-um entre o valor de uma ‘stablecoin’ e o valor de uma moeda não pode ser garantida em todas as circunstâncias, pelo que as ‘stablecoins’ não protegem a unicidade da moeda”, sublinhou o dirigente.
Lane salientou ainda que atualmente o sistema de pagamentos da área do euro está altamente fragmentado ao longo das fronteiras nacionais e muitos clientes dependem de fornecedores de cartões ou carteiras eletrónicas não europeus para efetuar pagamentos na área do euro. “Ao tornar obrigatória a aceitação do euro digital, os efeitos de rede instantâneos ajudariam a unificar o mercado atualmente fragmentado, reduzindo os custos para os comerciantes e, indiretamente, também para as famílias”, defendeu, acrescentando que “o euro digital é um projeto de alta prioridade para o Eurosistema”.