A pobreza energética, um flagelo que acreditávamos pertencer a outra época e que deveríamos encontrar apenas nos livros, ainda persiste no Portugal moderno, afetando a qualidade de vida de milhares de famílias. Dados recentes, publicados pelo executivo comunitário em setembro do ano passado num relatório sobre o estado da União da Energia, revelam que o nosso país tem a percentagem mais alta da União Europeia em pobreza energética, a par de Espanha. Já em 2023, na Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050, estimava-se que pelo menos 660 mil pessoas viviam em situação de pobreza energética severa no nosso país, enfrentando dificuldades em aquecer as suas casas no inverno e arrefecê-las no verão.

O padrão da construção em Portugal foi sinónimo de isolamento deficiente e ineficiência energética durante demasiado tempo. Temos ainda muitos edifícios que não estão preparados para o clima de hoje, muito menos para as condições climáticas mais extremas do futuro, em que as ondas de calor e as vagas de frio serão mais frequentes e severas. Atualmente já se constrói com todas estas preocupações em mente, mas apostando na reabilitação e melhorias no edificado existente, podemos aumentar de forma significativa a eficiência energética das nossas casas e a qualidade de vida da população.

As soluções são claras: melhor isolamento, sistemas de caixilharia adequados e sistemas de energia renovável ou mais eficientes têm de se tornar mais presentes nos lares portugueses. Embora exijam investimento, estas melhorias trazem poupanças significativas a longo prazo para as famílias e alinham-se com os compromissos que o país assumiu na redução de emissões de carbono. Para o setor da construção, esta é também uma oportunidade de criar emprego e estimular a inovação.

Para que esta transformação seja bem-sucedida, é essencial que as políticas públicas desempenhem um papel ativo. Medidas como os programas de apoio à eficiência energética, tal como o Fundo de Eficiência Energética (FEE) ou o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis têm sido fundamentais. Estes programas têm financiado intervenções que permitem melhorias significativas, como a instalação de janelas eficientes, o reforço do isolamento térmico ou a substituição de sistemas de aquecimento antigos por soluções mais sustentáveis e eficientes. Julgo, no entanto, que ainda há trabalho a fazer para garantir que estes incentivos sejam mais claros, menos burocráticos e acessíveis a todos.

Nenhuma família deveria ficar de fora por desconhecimento ou pela complexidade dos processos de candidatura a estes apoios. A pobreza energética não é um tema isolado – está intrinsecamente ligado a desafios mais complexos de desigualdades sociais e sustentabilidade ambiental. Combatê-la exige uma abordagem colaborativa entre o setor da construção, os decisores políticos e a sociedade civil. Só assim poderemos garantir que a indignidade de uma casa sem condições de habitabilidade fique confinada apenas às páginas da literatura.

Diretor-geral da GesConsult