Se não fosse triste e bem revelador de que vale tudo para recuperar o poder que acredita seu por direito, mesmo quando quem vota não concorda, julgar-se-ia comédia o número que a companhia socialista e amigos da extrema-esquerda vão levando por aí. E não se julgue que não há ímpeto e força para manter as rotativas da propaganda panfletária a todo o gás.
Ainda nem chegámos a quarta-feira e já há tanta narrativa apimentada que dá para ir de Gaia à capital, sempre de dedo apontado a Moedas.
Crime em Gaia, castigo em Lisboa
O PS está atónito com a constituição como arguida de Luísa Aparício e já exigiu a Carlos Moedas que avance com uma auditoria aos atos de gestão da engenheira que há oito meses era diretora do Licenciamento Urbanístico na Câmara de Lisboa. Luísa Aparício, ontem formalmente acusada pelo Ministério Público na Operação Babel, desempenhara funções semelhantes em Gaia, entre 8 de junho de 2015 e 3 de outubro de 2022, e são as decisões que nessa altura terá tomado que a levam agora ao banco dos réus, acusada de um crime de corrupção passiva e outro de prevaricação.
Ao PS Lisboa não levanta nem um fio de cabelo o facto de a mesma Operação Babel ter como protagonista maior, acusado de 17 crimes (incluindo corrupção), o então vice-presidente daquela câmara nortenha, Patrocínio Azevedo, destacado socialista, presidente da comissão política concelhia do PS Gaia e que se posicionava para ser o sucessor de Eduardo Vítor Rodrigues até ser detido por suspeitas de corrupção, em maio do ano passado. Nem sequer se inquietou com as relações entre familiares de ambos os socialistas gaienses e quem mandava em três das principais instituições de solidariedades social de Gaia, aos quais a autarquia entregara as Atividades de Tempos Livres.
Tão pouco teve o PS grandes palavras sobre a condenação de Eduardo Vítor Rodrigues, há sete meses, por peculato. O próprio Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, teve alguma doçura na análise da situação do ex-presidente da Câmara de Gaia, um dos seus principais apoiantes. "Eduardo Vítor Rodrigues é de confiança?", perguntou-lhe a CNN em entrevista, a 9 de abril deste ano, reforçando que o socialista era já acusado de prevaricação, peculato, falsificação de documentos e que não apenas mantinha o cargo como fizera grande parte da campanha à liderança ao seu lado. "Eduardo Vítor Rodrigues não é, neste momento, candidato, é presidente da Câmara Municipal de Gaia (...) Há processos a correr, não sou eu que vou condenar", respondeu, mesmo sabendo que o seu apoiante fora já condenado em primeira instância.
Jornada da discórdia
Divulgados nesta semana, os resultados da tão criticada Jornada Mundial da Juventude (JMJ) ficaram bem além daquilo que os mais otimistas podiam antecipar. Dos 35 milhões de euros investidos pela Câmara de Lisboa (num total de 65 milhões gastos), fizeram-se dez vezes mais: 370 milhões de euros, concentrados essencialmente em Lisboa, foi o impacto dos seis dias que o Papa Francisco passou aqui, revelou hoje um estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) - Lisbon School of Economics and Management. E a Fundação JMJ teve mesmo lucros superiores a 31 milhões, mais 57% do que previa.
Valor que até dá para dispensar o total de 1,3 milhões de euros a que têm direito, até dezembro de 2024, o ex-vereador Sá Fernandes e a sua equipa, pelo contrato desenhado por António Costa para a coordenação da JMJ que aconteceu em agosto de 2023.
Descansada deve ter ficado a extrema-esquerda, que tanto pugnara por resultados concretos e estudos independentes que demonstrassem os 200 ou 300 milhões que Moedas antecipava de retorno, "número que foi posto em causa diversas vezes", vincava o BE ainda em outubro, e os gastos excessivos que BE e PCP tanto criticaram e que, afinal, terão ficado até um milhão abaixo do orçamento previsto para a JMJ.
Quanto às justas críticas do Tribunal de Contas, que na análise publicada em março alertava para o excesso de adjudicações diretas feitas para o evento, sobretudo por "falta de planeamento", vale a pena recordar quem liderava Lisboa em janeiro de 2019, quando o evento foi anunciado, e como foi o próprio governo de António Costa que incluiu no Orçamento do Estado para 2022 um discreto artigo que pretendia remediar o atraso crónico das preparações que deviam ter sido postas a andar, permitindo obras por ajuste direto até aos 5,35 milhões de euros (bem acima dos 30 mil euros definidos por lei).
Para quem ficou baralhado com as recentes críticas do PS Lisboa a Carlos Moedas pelo ano e meio que teve para preparar a coisa, sim, foi Fernando Medina que teve os planos a marinar durante quase três anos como autarca, antes de assumir a pasta das Finanças.
Casas de papel
Enquanto Pedro Nuno Santos e Marina Gonçalves faziam anúncios, Carlos Moedas deitava mãos à obra. E foi assim que, em dois anos e meio, a nova gestão de Lisboa recuperou e entregou mais de mil casas para morar (327 habitações em 2022; 673 em 2023 e as restantes até maio), prevendo chegar neste ano a 840 chaves entregues a famílias. E ainda agora pôs a andar o projeto de construção de 2400 apartamentos de custo acessível no Vale de Santo António, terreno municipal cujos planos lançados por Santana Lopes em 2002 repousavam desde então na gaveta autárquica — que o PS geriu de 2007 a 2021.
Ainda havemos de ver dedos apontados, naturalmente, apesar de, desde o anúncio de "habitação para todos", feito por António Costa em 2018 e que trazia a promessa de abrir 26 mil portas a famílias, terem sido entregues 1400 casas nesse consulado socialista. Basta ver como a ex-ministra da Habitação agora critica o governo de Montenegro pela reversão de medidas "que já estavam a ter efeitos no mercado de arrendamento, como o equilíbrio do alojamento local ou o arredamento coercivo". Di-lo Marina Gonçalves convicta, indiferente às notícias de aumento superior a 10% nas rendas no último trimestre de 2023, contrariando a tendência de abrandamento mundial e fixando-se no valor mais alto dos últimos 30 anos.
O que seria de nós sem estas pérolas?
É o resultado de vivermos num país em permanente campanha eleitoral e onde se trata a política como um dérbi incendiário, em lugar de ter os interesses do país e dos portugueses como objetivo maior.
Diretora editorial