É verdade que os aeroportos se prestam a todo o tipo de trafulhice.
No final do ano passado, a Polícia Judiciária desmantelou o Clã do Golfo, uma rede de tráfico internacional que usava o aeroporto de Beja como uma das portas de entrada de cocaína na Europa. Para controlar a estrutura aeroportuária portuguesa eficazmente, esta rede subornava os próprios funcionários cuja função seria, na realidade, zelar para que este tipo de situação não acontecesse. Outros dos esquemas mais conhecidos dos inspetores são as chamadas "mulas", isto é, passageiros usados para transportar droga nas suas malas ou no seu corpo, uma prática que até já foi transformada em documentário semanal televisivo, captando as cenas de pessoas apanhadas em flagrante.
Infelizmente, esta situação é tão comum nos nossos aeroportos nacionais que já só raramente fazem manchete.
No caso específico do aeroporto de Lisboa, o empreendedorismo ilegal com malas é muito fértil e vai ainda mais longe: há várias décadas que os chamados "agenciadores de malas" construíram uma rede clandestina destinada a despachar malas para destinos como Bissau, Luanda e Maputo em troca de valores que vão dos 100 aos 250 euros por cada mala e que envolve passageiros desses voos, mas alheios a essas malas, que as levam sem saber ao certo o que estão a transportar.
Num outro espetro, em 2021, nos Estados Unidos, foi descoberto um único passageiro que causou um prejuízo estimado em mais de 300 mil dólares em cinco anos… com malas "extraviadas". Reclamando falsamente que as suas malas tinham sido perdidas, este americano recebia as compensações devidas pelas diferentes companhias aéreas por não conseguirem encontrar as ditas malas e era desta forma que o passageiro, conscientemente, lesava as empresas e enriquecia ilicitamente. A condenação judicial entretanto proferida levou-o a quatro anos de prisão seguidos de três anos de liberdade condicional, bem como à restituição de 327 mil dólares às várias empresas aéreas.
Para completar este quadro "malístico", por vezes, as companhias aéreas também abusam da sua arbitrariedade: o voo da companhia angolana TAAG que chegou a Lisboa no dia 27 de janeiro deixou as malas de 100 passageiros em Luanda "em troca" do transporte de 41 toneladas de mangas para exportação — como a companhia mais tarde foi obrigada a explicar —, o que obrigou a ajustes da volumetria e do peso permitidos no avião à descolagem. Foi com esta vã tentativa de desculpa que a companhia pública do Estado procurou explicar a sua preferência pela "prosperidade económica" do país e a secundarização do cumprimento do contrato de transporte celebrado com os seus passageiros.
De uma forma geral, quando são descobertos, todos estes casos são veementemente negados em Bloco e, de facto, até prova em contrário, os réus beneficiam da presunção de inocência, o que, por vezes, transforma quem acusa em presumíveis…?!
Que a investigação e o posterior julgamento do caso das malas de Miguel Arruda e dos despedimentos no Bloco de Esquerda sejam uma confirmação de que podemos continuar a viajar tranquilamente com uma mala de porão… e de que podemos ser mães sem ter o receio de que a gravidez nos roube o trabalho.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo