O investigador português de 43 anos, ligado ao Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, parece ter uma fixação por um determinado período da história da Terra, o Carbónico, que se estendeu há entre 359 e 299 milhões de anos. Este intervalo de tempo foi assim batizado porque a esmagadora maioria das jazidas de carvão mineral do mundo datam desta época. Não há aqui nada de trivial, pois foi este mesmo carvão que impulsionou nas ilhas britânicas a Revolução Industrial, tornando-se num dos grandes momentos de viragem da história da humanidade. Somos todos filhos desta revolução.
No entanto, o que sucedeu nos últimos dois séculos e meio não é o que faz mover o cientista que existe em Pedro Correia. Temos de recuar algumas centenas de milhões de anos para chegarmos ao tempo que lhe interessa, uma época em que todos as grandes massas de terra se estavam a juntar (a colidir) para formar um supercontinente, Pangeia. Esta reconfiguração da superfície do planeta originou alterações climáticas e levou a extinções em massa de plantas e animais. Para perceber o que então se passou há que recorrer às poucas pistas que conseguiram sobreviver até à atualidade: e, por mais incrível que pareça, um pedaço fossilizado de uma planta extinta pode dizer-nos, e muito, sobre o que estava a suceder no planeta. E assim começamos.
Quatro nomes assinam o estudo que recentemente saiu no jornal científico Review of Palaeobotany and Palynology. A liderar a equipa está Pedro Correia, a qual também conta com portuguesa Sofia Pereira (ambos do Centro de Geociências da Universidade de Coimbra), e mais dois cientistas internacionais – da Chéquia e do Reino Unido.
O que descobriram foi uma estrutura reprodutora constituída por sacos de pólen, assemelhando-se a um cone (ou a uma pinha, se quisermos um paralelismo mais simples) e a que os cientistas dão o nome de “estróbilo”. Neste caso, e devido ao pólen, que são elementos reprodutores masculinos, trata-se de um “estróbilo masculino”, fazendo parte de uma espécie de planta arborescente – uma planta com um tronco lenhoso – até agora desconhecida e a que deram o nome de Florinanthus bussacensis.
Esta designação deve-se ao facto de ter sido descoberta, precisamente, em plena serra do Buçaco, perto da aldeia de Algeriz, no concelho de Anadia (distrito de Aveiro). A planta em causa faz parte da extinta ordem das Cordaitales, uma ordem de plantas gimnospérmicas (ou seja, que produzem sementes) que no passado assumiram a forma de árvores de grande porte, capazes de chegar aos 40 metros de altura e com uma copa densa e ramificada. Têm semelhanças com as coníferas de hoje e terão começado a proliferar em climas secos após uma grande extinção, de flora e fauna adaptada a ambientes húmidos e chuvosos, que se deu no final do Período Carbónico, há cerca de 300 milhões de anos: sobre este acontecimento, que afetou dramaticamente toda a Terra, já lá iremos.
A preservação de “vegetais fossilizados” com centenas de milhões de anos é muito difícil, pelo que “quando lidamos com os seus restos enfrentamos a dificuldade de estabelecer uma conexão entre as diferentes partes que encontramos”, começa por explicar o paleobotânico. “Estes vestígios que agora encontrámos datam de uma época em que existia na região um ambiente intramontanhoso, o que torna muito complicado encontrar um exemplar inteiro de uma planta. O que observamos e coletamos no terreno, ao nível do registo fóssil, são pequenos fragmentos de raízes, caules, folhas e dos órgãos reprodutores, sendo muito raro que as estruturas reprodutoras se mantenham preservadas”.
Eis, portanto, a razão para Pedro Correia dar uma enorme relevância a este achado, embora este pormenor seja apenas a ponta do icebergue. “Esta descoberta dá-nos uma visão ainda maior da variabilidade morfológica das plantas. Quando conseguimos encontrar os órgãos reprodutores, que é mesmo algo muito raro de acontecer, eles dão-nos uma perceção de como é que estas plantas, há 300 milhões de anos, se reproduziam. A Cordaitales é uma ordem que já se extinguiu e é considerada um do ancestrais mais longínquos das atuais coníferas, das gimnospérmicas. Esta nossa descoberta é mais um elemento para o conhecimento deste extinto grupo de plantas, e isso é muito importante para compreender como é que as floras se reproduziram e evoluíram ao longo de milhões de anos.”
O fim de uma enorme glaciação ocorrida a sul do planeta fez desaparecer as plantas de clima húmido de Portugal, dando lugar a um ambiente seco e árido
Aprofundemos o assunto. Quando se consegue perceber de que forma as plantas evoluíram há tanto tempo, abre-se igualmente uma porta para outros antigos segredos do planeta Terra: neste caso, falamos do seu clima e o modo como ele foi mudando ao longo do tempo, por vezes de forma radical e com enormes consequências. “Os fósseis vegetais, por si só, são considerados biomarcadores, eles dão-nos informações sobre o clima e os ambientes em que as plantas viveram”.
No caso das Cordaitales, e com base nos registos fósseis existentes, elas foram as primeiras plantas gimnospérmicas com cones ou estruturas reprodutoras que surgiram na Terra, frisa a equipa de investigadores em comunicado de imprensa, tendo aparecido durante os períodos Carbónico e Pérmico (que durou desde o fim do Carbónico e até há 252 milhões de anos). Pergunta obrigatória: Que tipo de clima favoreceu a sua evolução e expansão?
Passemos a palavra ao paleobotânico de Coimbra e à história que nos vai contar, sobre como o mundo de então mudou brutalmente.
“As Cordaitales são consideradas plantas que estavam adaptadas a um clima seco. Há cerca de 300 milhões de anos, a antiga Ibéria [que abarcava parte do atual território Península Ibérica] era um microcontinente que estava localizado numa zona de clivagem, onde existia um clima muito húmido e chuvoso. Sucede que, nessa altura, ocorre um grande evento: o fim de uma glaciação na região sul da Pangeia [na antiga massa terrestre de Gondwana] e que trouxe uma grande mudança climática, a nível global. O resultado foi que Portugal e outras regiões europeias passaram por um processo de aridificação, com os ambientes a tornarem-se mais secos. Tudo o que eram plantas adaptadas a um clima húmido começaram a desaparecer. Coincidentemente, começou a haver uma abundância cada vez maior das Cordaitales.”
Basicamente, as rochas sedimentares carbónicas da Serra do Buçaco, com os seus fósseis de plantas, funcionam como uma espécie de “cápsula do tempo”, mostrando aos cientistas as mudanças climáticas que ocorreram há 300 milhões de anos, frisa o investigador. Por exemplo, aí é possível encontrar, em menor número, os vestígios de fetos – que fazem parte do grupo das pteridófitas –, tratando-se de plantas sem tecido lenhoso e que se reproduzem através de esporos (ao contrário das angioespérmicas), necessitando de ambientes húmidos e com bastante água. Por oposição, existe uma uma grande abundância de fósseis de folhas, caules e troncos de Cordaitales. “Trata-se de algo fantástico, porque não existem muitos lugares no mundo com um registo fóssil ou geológico que marque esta mudança climática. Ao mesmo tempo, é interessante tentar perceber como é que estas plantas tiveram a capacidade de se adaptar a esta alteração.”
Muito bem: mas que garantias existem de que os vestígios encontrados pertencem mesmo a uma nova espécie, a Florinanthus bussacensis, e não a uma outra que já se conheça? A resposta é simples. A Natureza impede que duas plantas diferentes tenham o mesmo tipo de órgão reprodutor. “Nós, investigadores, temos noção de que o órgão reprodutor em causa, um estróbilo masculino em forma de cone, podia pertencer a outras folhagens [de uma espécie já reconhecida] que existem no local, mas conseguimos determinar que, de facto, ele pertence a uma nova espécie, existindo uma diferenciação taxonómica”, remata.
Olhando para a morfologia e anatomia dos sacos de pólen da Florinanthus bussacensis, os cientistas não só vão obter informações sobre o processo de reprodução desta espécie extinta, como também vão tentar perceber como é se adaptaram à importante mudança climática ocorrida há 300 milhões de anos, adianta Pedro Correia.
Portugal e Estados Unidos partilhavam o mesmo território quando só existia um supercontinente na Terra, dizem os fósseis de plantas
Em 1912, o alemão Alfred Wegener propôs a ousada teoria de que, no passado longínquo, quase toda a massa terrestre do planeta existiu sob a forma de um supercontinente em forma de “C”, a que deu o nome de Pangeia, e que os continentes que hoje em dia existem ter-se-ão originado a partir da sua fragmentação.
Nas décadas seguintes, cientistas de diferentes áreas (da geologia à paleontologia) estudaram com afinco os registos geológicos e fósseis existentes por toda a Terra, tendo chegado à mesma conclusão que Wegener. De acordo com a teoria prevalecente, a Pangeia atingiu o seu zénite, em termos de dimensão, há entre 299 milhões e 273 milhões (durante parte do Pérmico), mas o processo que levou os continentes a agregarem-se num só terá começado muito antes, algures entre os períodos do Devónico (há cerca de 419 milhões de anos) e do Carbónico (há volta de 352 milhões de anos). Este enorme e dominador pedaço de terra ter-se-á começado a fragmentar há entre 201 milhões e 174 milhões, no Jurássico, período que conhecemos devido aos dinossauros: estes tornaram-se, à época, na espécie animal dominante.
Relembrar a história de Pangeia é sempre importante, para percebermos que a Terra está sempre a transformar-se, como se fosse constituída por peças de puzzle que, a cada vários milhões de anos, mudam lentamente de posição para formar uma imagem da superfície bastante diferente da anterior, criando e recriando enormes cordilheiras, vales, planícies, mares e oceanos de cada vez que as massas de terra chocam ou separam-se. Aliás, e sem nos alongarmos mais, antes da Pangeia especula-se que tenham existido outros supercontinentes, prevendo-se também que, daqui a muito tempo, os continentes de agora vão aglutinar-se numa outra massa de proporções épicas – e de cada vez que se forma e fragmenta um supercontinente, ocorrem grandes mudanças climáticas a nível local e global, tal como extinções em grande escalda de espécies de plantas e animais.
Ao mesmo tempo, para perceber melhor o que tem sido o trabalho científico do paleobotânico português, nos últimos anos, faz todo o sentido que tenhamos uma ideia do que foi a Pangeia, pois as suas mais importantes descobertas ajudaram a perceber onde se situava Portugal no seio deste supercontinente, assim como os diferentes tipos de clima, fauna e flora que caracterizaram o pedaço de terra que se veio a tornar no nosso país.
Em 2020, publicou na revista científica Scientific Reports, (ligada ao grupo Nature), um estudo, baseado na sua tese de doutoramento, com conclusões e uma descoberta que foram fruto de dez anos de investigação, em parceria com Brendan Murphy, professor da Universidade St. Francis Xavier, na Nova Escócia (Canadá).
“Esta descoberta foi mais um elemento de que a primitiva Ibéria estava praticamente conectada aos Apalaches”, uma cordilheira atualmente situada no leste da América do Norte e que se estica aos longo de 3200 quilómetros. “Ou seja, há 300 milhões de anos Portugal já foi dos EUA”, ou vice-versa, se preferirmos.
“Os nossos novos dados deram uma visão de qual era a posição geográfica da antiga Ibéria aquando da formação da Pangeia, porque existiam muitas dúvidas, precisamente devido à falta de dados, sobre a posição em que estava. Poderia estar mais perto do Canadá, dos Estados Unidos ou só colada ao noroeste de África”, relembra.
As peças-chave para esta conclusão foram, como já podemos adivinhar, o achamento de fósseis, neste caso de duas novas espécies de plantas. O texto de imprensa sobre este estudo, publicado quando Pedro Correia era investigador do Instituto de Ciências da Terra da Universidade do Porto, pormenoriza que “durante o trabalho de campo realizado, o investigador encontrou duas novas espécies de plantas fossilizadas, a Ilfeldia gregoriensis e a Lesleya iberiensis, correspondentes à idade do Gzheliano (no Carbónico), há cerca de 303 milhões de anos, e que, por estarem adaptadas a ambientes de clima seco nas regiões […] da Pangeia central, foram pontos-chave para as conclusões dadas a conhecer”.
As plantas em causa foram encontradas nas rochas sedimentares carbónicas da região da Bacia do Douro, ajudando a documentar “as primeiras evidências paleobotânicas, biostratigráficas, paleoambientais e paleoclimáticas de uma ligação geográfica entre os Apalaches, na costa leste dos Estados Unidos, e a Ibéria que ocorreu há cerca de 307-299 milhões de anos”.
Resumindo, as antigas massas terrestres da Ibéria e da Laurentia (que englobava grande parte da atual América do Norte, incluindo os Apalaches) já estiveram “coladas” uma à outra, e uma das provas disso é que partilharam, há quase 300 milhões de anos, o mesmo clima seco e árido, como atestam os fósseis encontrados.
Tal como descreveu na altura Pedro Correia, “o nosso trabalho mostra a consequente dispersão e migração de floras adaptadas ao clima seco e quente durante aquele intervalo de tempo (transição do Carbónico para o Pérmico), como resultado da aridificação inicial no interior da Pangeia durante a sua fusão final, com a colisão entre a Laurásia e Gondwana”.
Não menos relevante, “os nossos dados mostram que a Ibéria e a Laurentia estavam localizadas ao longo do mesmo cinturão paleo-equatorial, há 300 milhões de anos”, ou seja, o que hoje conhecemos como Portugal estava bem no centro da Pangeia, como mostra a imagem em baixo.
Máquinas, para quê? Bastou uma picareta e dois martelos de geólogo para dar início a uma grande descoberta
Outras duas descobertas se seguiram, também na Bacia Carbónica do Douro e ainda ao serviço da Universidade do Porto:
A descoberta de um fóssil de uma nova espécie de cavalinha, uma planta com uma “linhagem histórica muito antiga” e que trouxe “novidades sobre como era a relação entre plantas e insetos há cerca de 300 milhões de anos”, refere a Universidade do Porto;
E outro fóssil de planta, já extinta, também da mesma altura, com a peculiaridade de se ter descoberto que “as suas bainhas foliares (a parte da planta que se prende ao caule) funcionavam como uma espécie de painéis solares, onde as folhas estavam orientadas para o Sol a fim de maximizar a captura de luz, para a fotossíntese”, salienta igualmente por comunicado a instituição. Tudo indica que esta morfologia resultou de uma adaptação evolutiva, para sobreviver às severas condições climáticas que existiam na região intramontanhosa da Bacia do Douro.
Seguiu-se a mudança para Coimbra, para o Centro de Geociências da sua universidade, com o intuito de perscrutar a Serra do Buçaco. Um dos primeiros achados a chegar aos títulos da imprensa foi… uma barata primitiva com (para não variar) 300 milhões de anos. Trata-se de um fóssil raro, pertencente a uma espécie já extinta, ancestral das baratas modernas: a Poroblattina anadiensis. Esta barata tinha asas e um ovipositor – órgão em forma de tubo que alguns insetos usam para depositar os seus ovos. Acredita-se que o ambiente seco e árido do Buçaco, no final do Carbónico, tenha privilegiado a proliferação de insetos dotados de ovipositor, na medida em que este apêndice garantia uma maior hipótese de sobrevivência das suas crias.
Eis que chegamos, por fim, ao anúncio da descoberta da Florinanthus bussacensis, em julho deste ano.
Um parêntesis para destacar a forma humilde como esta última pesquisa no Buçaco teve início, mas, antes disso, há que reter este pormenor: “não se encontram fósseis em todas as rochas, como são os casos do granito ou o basalto”, esclarece Pedro Correia ao SAPO. “Os fósseis surgem, sobretudo, em rochas sedimentares. No caso do Buçaco, eles foram descobertos num conjunto de formações geológicas de rochas detríticas”, quer dizer, de rochas sedimentares que ao longo do tempo se formaram a partir de fragmentos e detritos de outras rochas que existiam na zona.
Mais pormenorizadamente, os fósseis estavam na zona mais baixa de uma antiga região intramontanhosa, “e na qual estavam instalados sistemas fluviais que funcionaram como um mecanismo de transporte dos restos de plantas e de sedimentos”. Todo este material acabou por ficar depositado no mesmo sítio, camada em cima de camada.
A saga, envolvendo a equipa de Coimbra por terras do Buçaco, teve início quando identificaram num determinado local os parcos restos de uma antiga planta. “Foi então que pensámos que ele tinha potencial, pelo que fizemos uma pequena escavação controlada, apenas com uma picareta e dois martelos de geólogo, nada mais”, conta. A partir daí, a paciência e a sorte deram os seus resultados, como comprova o último achado.
“A Serra do Buçaco é um local com grande potencial, pois há lá muito trabalho de investigação por fazer”, sumariza. O que o leva a dizer isto?
“O facto de a Pangeia se ter formado levou à extinção de enormes quantidades de espécies de flora e de animais, porque a parte central do supercontinente sofreu um processo enorme de aridificação, com um clima bastante seco e a região quase a assemelhar-se a um deserto, especialmente no Pérmico”, período que, recordamos, começou há 299 milhões de anos e se esticou até há 252 milhões de anos. Explicando de forma rudimentar, dá-se um colapso das floras húmidas, o que por sua vez afetou toda a cadeia de animais que dependiam desse tipo de plantas.
Contudo, terá sido no final do Carbónico e na transição para o Pérmico que muitas mudanças climáticas tiveram início, com as rochas sedimentares carbónicas da região do Buçaco a guardarem autênticos tesouros que ajudam a alumiar o que aconteceu, durante uma época em que ocorreram grandes e dramáticas transformações na Terra. É preciso não esquecer que Portugal, tal como foi explicado, se situava no epicentro equatorial do supercontinente que se acabava de formar. “Para nós, cientistas, é uma sorte”, dispara.
Próximo passo? Descobrir no Buçaco quais foram as causas e consequências dos infernais “paleoincêndios” ocorridos há milhões de anos
Entretanto, está na calha a publicação de um outro artigo científico que, no entender do cientista, terá um “grande impacto” e “é um dos mais importantes” da sua carreira.
“Não se trata do fóssil de uma nova espécie. É uma pesquisa que vai permitir compreender melhor um dos grandes eventos que ocorriam no passado: refiro-me a incêndios de enormes proporções que ocorreram há milhões de anos, os chamados paleoincêndios. Numa escavação que fizemos no Buçaco descobrimos coníferas exclusivas de um clima seco e árido, e associadas a estes vestígios encontrámos carvão vegetal. Trata-se de um registo único em Portugal e raro noutras partes do mundo, com uma combinação de dados que abre novas linhas de investigação.”
Um fenómeno a não negligenciar, pois os incêndios florestais são responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa, ao mesmo tempo que destroem flora capaz de absorver dióxido de carbono da atmosfera, afetando diretamente os ecossistemas e os animais que dela dependem para sobreviver. Pelo meio, há o processo de desnudamento do solo, tornando-o pobre em nutrientes. Será interessante, por exemplo, perceber de que forma estes incêndios se interligaram (com) ou influenciaram os climas e ambientes de há dezenas de milhões de anos, assim como saber que espécies de plantas e animais foram vítimas destes fenómenos – e, em sentido contrário, quais as que tiveram depois espaço para se adaptar e prosperar.
Curiosidade. Há 90 milhões de anos, a atual Antártida fazia parte da massa terrestre de Gondwana, numa altura em que esta última já se tinha quebrado e estava a afastar da antiga Pangeia. O clima, nessa época, era totalmente diferente da desolação gelada de hoje, como atesta uma pesquisa publicada na Nature em 2020, dando conta de sinais de existência de um clima temperado e de uma vegetação onde se incluíam coníferas. Uma outra pesquisa, feita por cientistas brasileiros e que saiu no final de 2021, deu um salto até há 75 milhões de anos. Segundo os autores deste estudo, e a crer nos vestígios fósseis que encontraram, a região que englobava a atual Antártida, tal como sucedeu pela mesma altura no hemisfério norte, foi repetidamente fustigada por enormes incêndios (os mencionados paleoincêndios). As análises aos fósseis indicaram que se tratava de carvão vegetal proveniente de angiospermas, provavelmente uma espécie ligada às coníferas.
Quanto ao que foi descoberto no Buçaco, os pormenores e as conclusões a que chegaram a equipa de Pedro Correia só serão divulgados quando o artigo for publicado em revista científica. Estão prometidas, portanto, cenas de um novo e importante capítulo de uma história com centenas de milhões de anos. A Serra do Buçaco é famosa pela batalha que aí ocorreu em 1810, quando uma conjugação de tropas inglesas e portuguesas conseguiu vencer o exército de Napoleão, durante a Terceira Invasão Francesa. Talvez a ciência, em vez do bélico, lhe dê uma outra importância histórica.