Desde 2015, quando os físicos do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferómetro Laser (situado nos EUA e mais conhecido pelo acrónimo LIGO) fizeram a primeira deteção de ondas gravitacionais, produzidas pela colisão e fusão de dois buracos negros a 1,3 mil milhões de anos-luz da Terra, já foram detetados e anunciados até novembro de 2021, através deste método, um total de 90 eventos de fusão, não só entre buracos negros, mas igualmente entre buracos negros e estrelas de neutrões.
Já agora, as primeiras ondas gravitacionais detetadas há seis anos provinham de um objeto com uma massa 36 vezes superior à do Sol e de um outro que era 29 vezes maior: o resultado da fusão de ambos foi um buraco negro com 62 massas solares.
Acima de tudo, esta nova classe de detetores trouxe à tona um enorme mistério que está a levar muitos astrónomos a coçar a cabeça, pois aquilo que está a ser observado entra em choque com os atuais modelos que explicam a forma como as estrelas evoluem e os buracos negros nascem no Universo.
Desde a década de 1960 que um dos métodos mais comuns e eficazes para encontrar e estudar um buraco negro passa por detetar, através de radiotelescópios em terra ou telescópios que estão no espaço, a radiação sob a forma de raios X que é emitida por um sistema constituído por um destes objetos e uma estrela: os raios X são emitidos quando o buraco negro está a ‘canibalizar’ o seu parceiro.
Até ao momento, este tipo de medição só revelou buracos negros cuja massa é inferior a 20 vezes a massa do Sol. Aliás, os maiores que foram encontrados através da emissão de raios X têm entre 15 a 17 massas solares, mas, por norma, têm um massa cerca de cinco vezes maior que a do Sol. Um dos mais pequenos até hoje encontrados, de acordo com um estudo publicado em 2020 na Science, tem apenas 3,3 massas solares e um diâmetro de 19,5 quilómetros. Todos estes objetos encaixam-se na categoria dos «buracos negros estelares».
A questão é que a caça às ondas gravitacionais, que nos últimos anos juntou num esforço colaborativo o norte-americano LIGO e outros dois interferómetros do mesmo género – o Virgo, do Observatório Gravitacional Europeu, e o japonês KAGRA (Kamioka Gravitational Wave Detector) – está a mostrar uma realidade muito diferente. Entre os já mencionados 90 eventos de fusão que este trio de interferómetros encontrou estão muitos buracos negros com massas que são 50 vezes superiores à da nossa estrela.
Mais. No catálogo de fusões detetadas desde 2016, que a colaboração LIGO-Virgo-KAGRA tem vindo a atualizar, podemos encontrar buracos negros com uma grande variedade de tamanhos, destacando-se os de «massa intermédia», tal como são chamados, com mais de cem massas solares e menos de 100 mil massas solares.
Em setembro de 2020 os três observatórios anunciaram ter descoberto o primeiro desta classe de buracos negros de que há registo: as ondas gravitacionais medidas pelos interferómetros (as mais fortes que até então encontraram) diziam respeito a dois buracos negros, com 85 e 66 massas solares, que se fundiram depois de uma dança em espiral uma em torno do outro, um bailado que culminou no surgimento de um buraco negro ainda mais maciço, com 142 massas solares.
Segundo os investigadores do LIGO-Virgo-KAGRA, “este tipo de buracos negros há muito que foi teorizado pelos astrofísicos”, sendo que as mais recentes observações feitas por estes detetores de ondas gravitacionais “confirmam que esta nova classe de buracos negros [que está acima dos buracos negros estelares] é mais comum no Universo do que se pensava”, indicam no comunicado de imprensa que divulgaram no passado dia 7 de novembro.
No topo da pirâmide estão os «buracos negros supermaciços», verdadeiros monstros galácticos com massas que são centenas de milhares, milhões e até milhares de milhões de vezes superiores à do Sol. Estima-se que no centro de cada galáxia do Universo exista um destes objetos vorazes, rodeados de matéria de acreção extremamente quente que se junta e gira em seu redor.
A primeira imagem visível de um buraco negro supermaciço – ou melhor, do gigantesco disco de matéria que se forma em torno deste fenómeno – foi divulgada a 10 de abril de 2019, uma data que ficou na história da ciência. Trata-se da evidência direta de que existe um buraco negro supermaciço no centro da galáxia Messier 87. Um dos aspetos mais extraordinários é que este objeto, situado a 55 milhões de anos-luz da Terra (sendo que cada ano-luz corresponde a uma distância que ronda os 9.400.000.000.000 quilómetros), está dotado de uma massa 6,5 mil milhões superior à do Sol.
As massas dos buracos negros podem crescer em sincronia com o Universo, propôs recentemente uma equipa de cientistas dos EUA para solucionar a discrepância entre a teoria e o que está a ser observado. A ser verdade, significa que a constante expansão do Universo também faz crescer os buracos negros, sem que estes necessitem de se alimentar com mais matéria.
Antes de mais, é preciso explicar o que é uma onda gravitacional. Basicamente, é uma ondulação invisível que viaja pelo espaço à velocidade da luz (300 mil quilómetros por segundo), sendo capaz de comprimir e esticar tudo aquilo que surge no seu caminho, incluindo o ‘tecido’ do espaço-tempo que forma o Universo. Estas ondas, previstas há mais de um século por Albert Einstein, formam-se quando dois corpos de grande massa orbitam um em torno do outro, distorcendo o espaço-tempo em seu redor e espalhando-se ao longo de enormes distâncias: algo semelhante sucede quando se atira uma pedra para o meio de um lago, com ondas a formarem-se a partir do local onde caiu e a propagarem-se para longe, perdendo força e intensidade quanto maior é a distância que percorrem.
Felizmente, a humanidade foi capaz de criar enormes e supersensíveis ferramentas de interferometria laser, como os que tem a colaboração LIGO-Virgo-KRAGA, capazes de detetar a mais ténue interferência causada por uma onda gravitacional que tenha tido origem a milhares de milhões de anos-luz da Terra. Um feito que valeu o Nobel da Física em 2017.
Já deu para perceber que as ondas gravitacionais são mesmo inestimáveis para perceber melhor como as estrelas evoluem e os buracos negros surgem, e a prova disso são as recentes e mencionadas descobertas feitas através delas, as quais ajudaram a concluir que muitos dos buracos negros são bem maiores do que o estimado pelos atuais modelos da física.
Qual a explicação para essa discrepância? No início deste mês uma equipa de investigadores da Universidade do Havai e da Universidade de Michigan, nos EUA, avançou com um estudo, publicado no Astrophysical Journal Letters, em que propõe uma possível resposta para esta questão. Tal como explicam num texto destinado à imprensa, é preciso ter em conta que “os buracos negros crescem juntamente com a expansão do Universo”, ou, melhor explicando, “eles ganham massa com a própria expansão do Universo”.
Por norma, e tal como frisam, os astrónomos investigam e modelizam os buracos negros usando como base um Universo que não se expande (o que não corresponde à realidade), pois isso simplifica os cálculos que precisam de ser feitos, sem necessidade de ter em conta o que sucede ao logo de milhões ou milhares de milhões de anos. O problema deste método é que “as previsões só podem ser razoáveis por um período limitado de tempo”.
O que significa isto, em concreto? Os “eventos individuais” – os sinais de ondas gravitacionais – detetados pelos interferómetros laser apenas duram alguns segundos, pelo que a análise de cada um destes eventos é, então, simplificada. Não obstante, refere o comunicado da Universidade do Havai, as fusões de buracos negros assinaladas pelas ondas gravitacionais detetadas são processos que “potencialmente podem durar milhares de milhões de anos”, sendo que “durante o período de tempo entre a formação de um par de buracos negros e a sua eventual fusão o Universo cresce profundamente”.
Face a esta expansão e se “os aspetos da teoria [da relatividade] de Einstein forem cuidadosamente tidos em conta, então surge uma possibilidade surpreendente: as massas dos buracos negros podem crescer em sincronia com o Universo”, um fenómeno a que o grupo de cientistas do Havai e do Michigan dá o nome de «acoplamento cósmico».
Nos 9,8 mil milhões de anos que se seguiram ao Big Bang o Universo não deixou de se expandir, mas esse crescimento estava a ser cada vez mais lento. Contudo, há quatro mil milhões de anos algo sucedeu e, desde então, a sua expansão acelerou-se: uma aceleração que se torna maior a cada segundo que passa. Esta descoberta só foi feita em 1998.
Antes de avançarmos mais, façamos uma pequena pausa para organizar melhor alguns conceitos que são importantes reter, para se perceber o que está em causa. O Universo, tal como o conhecemos e de acordo com os atuais modelos cosmológicos, teve início há 13,8 mil milhões de anos, com o Big Bang. De acordo com a teoria da «inflação cósmica», o Universo, em apenas uma breve fração de segundo após este momento inicial, passou por um processo de crescimento exponencial: conforme explicou o físico teórico Stephen Hawking no seu livro Brevíssima História do Tempo, “o raio do Universo aumentou um milhão de milhões de milhões – um 1 seguido de 30 zeros – de vezes” durante o espaço de tempo de “um milésimo de um milionésimo de bilionésimo de bilionésimo de segundo depois do Big Bang”.
Após este período inflacionário o Universo continuou a expandir-se, mas a um ritmo muito mais lento, tendo arrefecido, o que levou ao surgimento de matéria: à medida que isso acontecia, algumas regiões que se tornaram mais densas começaram a contrair-se devido ao efeito da gravidade. Foi preciso esperar cerca de 400 milhões de anos até que se formassem nessas regiões as primeiras estrelas e galáxias, tendo mais tarde surgido os planetas, buracos negros (estes últimos a partir de estrelas que chegaram ao fim do seu ciclo de vida) e todos os outros corpos celestes que hoje em dia conhecemos. O Sistema Solar, por exemplo, formou-se há 4,5 mil milhões de anos, com o planeta Terra a ganhar forma pela mesma altura.
Entretanto, e com base em descobertas feitas por telescópios espaciais na década de 1990, sabemos que a expansão do Universo voltou a acelerar há cerca de quatro mil milhões de anos. Aliás, com base em descobertas anunciadas em 1998 ficou provado que esta nova fase de expansão não para de acelerar a cada segundo que passa, e assim parece ir continuar. Os investigadores responsáveis por este achado receberam em 2011 o Nobel da Física.
Um pormenor importante. O facto de o Universo sempre ter estado em expansão significa que o espaço físico entre os objetos que o constituem está a dilatar: este fenómeno é mais visível a grandes escalas, com o espaço entre as galáxias a esticar, como se fosse de borracha. Ou seja, se uma hipotética nave espacial partir da Terra em direção ao buraco negro supermaciço que existe no centro da galáxia Messier 87, que neste momento está situada a 55 milhões de anos-luz, quando lá chegar terá percorrido uma distância maior, pois no período de tempo que demorou a lá chegar a distância entre a Via Láctea e galáxia Messier 87 aumentou, devido à expansão do espaço entre elas.
Eis uma analogia que aqui na Terra quase todos conhecemos. Imagine que acabou de preparar a massa de um pão com passas, a qual mede 20 centímetros, e uma das passas que meteu em cima da massa está a cinco centímetros de uma e a dez centímetros de outra. Mete tudo no forno quente e espera que a massa se expanda e fique devidamente cozida. Quando retira do forno o pão nota que ele expandiu o dobro, medindo agora 40 centímetros: quanto à passa, por sua vez, ela nunca saiu de onde estava inicialmente, mas passou a estar a dez centímetros e a 20 centímetros das outras duas passas. A expansão do Universo é um pouco assim, com os objetos a ficarem no mesmo local, mas o espaço em redor delas a expandir-se, fazendo com que tudo o resto se afaste cada vez mais.
Para testar a hipótese do acoplamento cósmico os investigadores fizeram uma simulação que teve em conta um Universo em expansão, em vez de um Universo estático. Basicamente simularam o nascimento, vida e morte de milhões de pares de estrelas grandes. O resultado final deixou um deles sem saber o que pensar, tal o espanto.
Regressemos ao acoplamento cósmico proposto pelos investigadores das universidades do Havai e de Michigan, para explicar o tamanho acima do esperado dos buracos negros que estão a ser descobertos pelas ondas gravitacionais. Segundo eles, o exemplo mais conhecido de um acoplamento cósmico é a própria luz – composta por fotões, que são partículas elementares. A luz, ao viajar pelo Universo, perde energia à medida que este último se expande e estica. No entanto, para os buracos-negros, a equipa de cientistas lançou a hipótese de que o contrário poderá acontecer: ao estarem cosmologicamente acoplados com a expansão do Universo eles ganhariam energia, sem necessidade de absorver mais matéria.
Para testar a sua hipótese os investigadores fizeram uma simulação por computador que teve em conta um Universo em expansão, em vez de um Universo estático. Basicamente “simularam o nascimento, vida e morte de milhões de pares de estrelas grandes”, resume a Universidade do Havai no seu website. “Todos os pares em que ambas as estrelas morriam para dar origem a buracos negros foram depois interligados ao tamanho do Universo, começando na altura da sua morte. À medida que o Universo continuou a crescer, as massas destes buracos negros cresceram enquanto espiralavam um em direção ao outro. O resultado não foi apenas buracos negros mais maciços quando se fundiram, mas também muitas mais fusões.”
O passo seguinte passou por comparar as previsões obtidas com os dados observacionais dos observatórios LIGO e Virgo, e, para surpresa geral, ambos os resultados pareciam bater certo em grande medida.
“Tenho de dizer que fiquei sem saber o que pensar, ao início”, admite Gregory Tarlé, um dos coautores do estudo que saiu na Astrophysical Journal Letters. “Era uma ideia tão simples. Fiquei surpreendido que tenha resultado tão bem”.
Para os autores da pesquisa, este novo modelo é importante porque dispensa a necessidade de reescrever tudo aquilo que até ao momento se sabe sobre a formação, evolução e mortes das estrelas. Tal como frisam, as suas previsões batem certo com os dados atualmente existentes porque o modelo que usaram tem em conta que os buracos negros não evoluem num Universo estático.
Apesar das conclusões a que chegaram, os cientistas envolvidos no estudo admitem que o mistério dos buracos negros encontrados pelo LIGO-Virgo-KAGRA está longe de ser um assunto resolvido.
Até ao momento, uma das explicações mais comuns para se ter encontrado buracos negros demasiado grandes, em relação ao previsto, é a de que estes, ao longo do tempo, vão ‘engolindo’ gás, poeira, estrelas e outros buracos negros. No entanto, esta resposta não é de todo satisfatória, pois a norma é os buracos negros formarem-se a partir de supernovas, estrelas que explodem de uma forma bastante potente e luminosa, com a onda de impacto a afastar qualquer tipo de material que exista na região onde vai surgir o buraco negro: logo, fica privado de matéria capaz de o alimentar e fazer crescer.
Outras sugestões têm sido apresentadas, mas quase todas elas implicam que se tenham de introduzir novidades nunca antes observadas (são apenas teóricas) ao corpo de conhecimentos que tem sido usado pelos astrónomos, para explicar o ciclo de vida das estrelas.
Todavia, não são apenas os dados das ondas gravitacionais que estão a colocar em dúvida a robustez dos atuais modelos de evolução estelar. Em março deste ano foi dada a conhecer uma nova análise à emissão de raios X emitida pelo primeiro buraco negro que a humanidade encontrou. Ao que parece, as contas iniciais foram mal feitas e ele é muito maior do que o estimado.
Se existe um buraco negro na Via Láctea com uma massa 21 vezes superior à do Sol é porque a perda de massa da estrela que lhe deu origem, provocada pelos ventos estelares, é menor do que o previsto pelos atuais modelos de evolução estelar, diz um estudo publicado este ano.
O primeiro buraco negro só foi descoberto por astrónomos quando, em 1964, dois foguetes espaciais equipados com contadores de Geiger foram lançados da Terra e perfizeram um voo suborbital, tendo detetado uma forte emissão de raios X vinda da constelação de Cisne, na Via Láctea. Na década de 1970 a comunidade científica chegou ao consenso de que a radiação em causa provinha de uma estrela azul supergigante (um tipo de estrela com uma elevada temperatura e muito luminosa) cujo gás estava a ser ‘sugado’ por um objeto que só podia ser um buraco negro. De acordo com os cálculos feitos, a enorme força gravitacional que é exercida leva a que o gás perfaça uma rota em forma de espiral em torno do buraco negro, enquanto é tragado para o seu interior, um rodopiar que se torna tão quente que emite radiação sobre a forma de raios X e raios gama, capazes de ser detetados por sondas enviadas para o espaço.
Assim se encontrou, embora de forma indireta, o Cygnus X-1, um buraco negro situado a milhares de anos-luz do nosso planeta e com uma massa 21 vezes superior à do Sol, embora o raio do seu «horizonte de eventos», ou seja, a fronteira a partir da qual a força da gravidade é tão forte que nem a luz consegue escapar, tenha uns meros 300 quilómetros. É ao longo desta fronteira de um buraco negro que toda a matéria que ela atrai se concentra, rodopiando vertiginosamente em seu redor à medida que cai para o interior. No caso de Cygnus X-1, por exemplo, a matéria junto ao horizonte de eventos, e que inclui o gás da estrela supergigante, num só segundo perfaz 800 voltas completas em torno do buraco-negro. Se um astronauta se aproximasse dele, assim como de qualquer outro buraco negro, seria literalmente desfeito.
Todavia, até muito recentemente pensava-se que a massa do Cygnus X-1 seria muito mais pequena – cerca de 14 vezes superior à da nossa estrela –, mas um estudo publicado no início deste ano na revista Science atualizou esse valor para as 21 massas solares. Isto porque, dizem os cientistas que assinam o estudo, afinal o buraco-negro situa-se a 7240 anos-luz da Terra, em vez dos 6070 anos-luz antes estimados.
Esta conclusão só foi possível através de dados obtidos pela rede de dez radiotelescópios, espalhados por todo o território dos EUA, que compõem o VLBA (Very Long Baseline Array). Basicamente, este novo valor para a massa do Cygnus X-1 desafia os atuais modelos que explicam a evolução das estrelas a partir das quais os buracos negros têm origem: estamos a falar de estrelas de grande massa que, no final do seu ciclo de vida, colapsam sobre o seu próprio peso, quando a força da gravidade supera a pressão exercida pela fusão termonuclear que ocorre no seu interior, dando origem a buracos negros.
Assim, e a crer no estudo da Science, se existe um buraco negro tão maciço na Via Láctea é porque a perda de massa da sua estrela progenitora, provocada pelos ventos estelares, é menor do que o previsto pelos atuais modelos de evolução estelar.