
O varrimento das tropas israelitas ao território da Faixa de Gaza não poupou a única paróquia católica do território palestiniano, a mesma para onde o Papa Francisco telefonava diariamente desde o início da guerra.
Na quinta-feira de manhã, o edifício da Igreja da Sagrada Família foi atingido por um projétil disparado por um tanque israelita. Três pessoas morreram e várias ficaram feridas, entre as quais o padre Gabriel Romanelli, atingido numa perna sem gravidade.
No Natal passado, o Expresso publicou um artigo sobre esta comunidade, reproduzindo mensagens de voz enviadas pelo sacerdote argentino, pelo WhatsApp, descrevendo a comunidade, o impacto da guerra no seu quotidiano e de como aquela igreja é hoje o único refúgio para as poucas centenas de cristãos que subsistem em Gaza. “Já passamos por outras guerras, mas esta não tem nome…”, dizia.
Na véspera do ataque, numa mensagem de vídeo enviada à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre Internacional, o Padre Gabriel Romanelli alertava para a deterioração da situação. “Hoje tivemos muitos bombardeamentos durante toda a noite, e também pela manhã. Na verdade, agora entrei um pouco na nossa capela para aproveitar que temos internet também para enviar este vídeo, mas há um cheiro a pólvora... no meio de tanto caos, tanta maldade da guerra, Deus concede-nos respirar ares de eternidade com esse milagre da manhã”.
Na quinta-feira à noite, o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, emitiu um comunicado de pesar: “Israel lamenta profundamente que uma munição perdida tenha atingido a Igreja da Sagrada Família em Gaza”, lê-se. “Cada vida inocente perdida é uma tragédia. Partilhamos a dor das famílias e dos fiéis.”
Segundo o jornal digital israelita “The Times of Israel”, o comunicado do gabinete de Netanyahu correspondeu “a uma exigência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que telefonou, furioso, ao primeiro-ministro israelita a propósito do incidente”. Em Washington, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, confirmou o telefonema e disse que Trump, ao saber do ataque, “não teve uma reação positiva”.
Após esta declaração de Netanyahu, as Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram ter realizado uma investigação preliminar. “Descobriu-se que fragmentos de um projétil disparado durante a atividade operacional na área atingiram a igreja por engano”, acrescentando que a causa do incidente está sob investigação. “As FDI dirigem os seus ataques exclusivamente a alvos militares e fazem todos os esforços possíveis para mitigar os danos a civis e estruturas religiosas, e lamentam qualquer dano não intencional que lhes seja causado.”
Esta sexta-feira, o cardeal Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, conseguiu entrar na Faixa de Gaza, na companhia de Teófilo III, Patriarca Ortodoxo Grego de Jerusalém, para levar conforto e ajuda humanitária. Ao jornal italiano “Corriere della Sera” o cardeal expressou dúvidas acerca da justificação israelita: “Não somos um alvo. Dizem que foi um erro. Mesmo que todos aqui acreditem que não foi".
Enquanto Patriarca Latino, Pizzaballa — que era um dos 22 papabili no último Conclave — supervisiona as atividades da Igreja Católica em Israel, nos territórios palestinianos, na Jordânia e em Chipre, países onde os católicos são minoritários.
Durante a guerra, tentou ir a Gaza, como fazia habitualmente. Fez uma primeira visita em maio de 2024 e preparava-se para regressar no Natal seguinte quando foi impedido por Israel. Após protesto público do Papa Francisco, recebeu autorização para entrar no território palestiniano, onde celebrou a missa na Igreja da Sagrada Família.
Na quinta-feira, Leão XIV enviou uma mensagem à igreja católica de Gaza. Disse estar a rezar pelas vítimas e por todos os que continuam refugiados no complexo paroquial. Já esta sexta-feira, o Vaticano anunciou que o Papa e Netanyahu falaram ao telefone: “Durante a conversa, o Santo Padre repetiu o seu apelo para um renovado impulso para as negociações, um cessar-fogo e o fim da guerra”. E reiterou “a necessidade urgente de proteger os locais de culto e, sobretudo, os fiéis e todas as pessoas na Palestina e em Israel”.