
Ser um intruso perfeitamente enquadrado ao ponto de não se perceber que habitualmente não se pertence a certo contexto é, mais do que talento para a representação, um argumento válido para não se ser rebaixado. De facto, Portugal não é uma presença habitual nos quartos de final de um Mundial de basquetebol, seja qual for o escalão. Porém, esta é uma geração talhada para grandes feitos merecedora do momento que está a viver.
Bater-se com a Espanha numa fase tão adiantada de um grande torneio é um logro entusiasmante. Desta vez, as mãos tremelicaram. Independentemente da razão, não foi por Portugal não ter estado ao nível das grandes potências. Isso conseguiu fazê-lo, juntando uma contagiante alegria por representar a seleção.
Após a derrota com as espanholas (68-58) nos quartos de final, resta a Portugal lutar pelo melhor lugar possível (entre o 5.º e o 8.º). Qualquer que seja aquele que venha a obter, será um resultado histórico, pois nunca antes as cores nacionais tinham estado no Mundial sub-19, muito menos em tão honrosa fase.
É regra de ouro no basquetebol. As primeiras posses de bola ofensivas servem para testar quem tem a mão mais quente. Partindo do princípio que as de Clara Silva, que marcou 37 pontos nos oitavos de final contra Israel, ainda não tinham tido tempo de arrefecer, cravar a bola na jogadora infiltrada no pintado parecia um bom princípio. Dois lançamentos de campo e um desarme de lançamento antes dos dois minutos não foi um mau começo para a poste. No entanto, uma sequência de turnovers - a base Rita Nazário, geralmente muito fiável, agradeceu a passagem pelo banco - levou a Espanha entrar no jogo com pontos fáceis em transição. A partir deste momento, não mais Portugal esteve em vantagem.
Não era fácil encontrar repelente para a asfixiante pressão sobre a portadora da bola realizada pelas vizinhas ibéricas. À predisposição física das espanholas ajudou que tivessem ficado isentas de jogar os oitavos de final, pois a Chéquia não concedeu vistos à equipa do Mali para que esta pudesse entrar no país que organiza o Mundial sub-19 por razões diplomáticas.
A defesa de Espanha era disruptiva para o ataque português. Os bloqueios diretos eram montados demasiado longe da linha de três pontos e as linhas de passe tinham sempre uma mão a interferir. A vantagem era que Clara Silva (40 minutos, 23 pontos, sete ressaltos, quatro desarmes) estava quase sempre a ser defendida em um contra um e não há nada melhor para a jogadora que na época passada representou a Universidade de Kentucky. Tirando uma fração de segundo para escolher o melhor lado para rodar, fazia-o sempre para a área menos povoada e onde tinha margem de manobra.
Os minutos de descanso de Somto Okafor, explosiva internacional espanhola, e o aumento da frequência das visitas à linha de lance livre nivelaram a distância no marcador. Portugal até chegou a estar a apenas dois pontos da Espanha, mas as perdas de bola voltaram a assombrar a equipa de Agostinho Pinto. Ao intervalo, a desvantagem era de 41-32. Um resultado simpático para quem terminou a primeira parte com menos 16 lançamentos tentados do que as adversárias.
Ema Karim, habitualmente uma das opções ofensivas mais frequentes de Portugal, não teve uma tarde de alta produtividade. Sobrecarregada com faltas, cometeu a quarta infração no início da segunda parte. Se o lançamento exterior não estava a surgir, mais difícil se tornava que os triplos aparecessem com a jogadora da Universidade de Hofstra sentada no banco.
Espanha criava segundas oportunidades de lançamento (18 pontos foram assim conseguidos) e demonstrava ser uma equipa mais profunda (18 pontos vindos do banco contra apenas cinco de Portugal). No entanto, se a seleção nacional garantiu um lugar no top-8 do mundo foi porque, à qualidade de cada jogadora, adicionou um espírito de equipa entusiasmante. Neste caso, fê-lo prevalecer recorrendo a uma defesa zonal (2x3). Mesmo que Inés Sotelo (dez ressaltos) continuasse a dar muito trabalho na luta das tabelas, Espanha abrandou a marcação (apenas concretizou seis pontos no terceiro quarto).
Num jogo com poucos pontos, os triplos de Marta Salsina, Carla Osma e Somto Okafor foram feridas sentimentais que deixaram Portugal em mau estado, além das perdas de bola (21) que foram uma constante em todo o jogo. O tiro exterior petrificou Portugal que até aos últimos cinco minutos esteve em perfeitas condições de discutir a vitória. Ainda assim, restam dois jogos para somar mais triunfos aos conseguidos frente a China (75-52) e Nigéria (79-61), na fase de grupos, e Israel (83-80), nos oitavos.