No teatro das reorganizações empresariais, os aplausos parecem hoje dirigir-se mais à coragem das lideranças em reestruturar do que à responsabilidade pela gestão que levou à crise. Com frequência, as manchetes anunciam despedimentos em massa, em tudo o mundo, como se fossem medidas técnicas inevitáveis, e não consequências humanas de decisões estratégicas falhadas. O tom é quase redentor: os executivos aparecem empenhados em encontrar soluções “socialmente aceitáveis”, mas raramente se questiona a sua quota-parte de culpa no colapso organizacional.

Vivemos numa época em que o imperativo da transformação empresarial se impôs como um mantra. A disrupção tecnológica, a automação acelerada e as alterações na geopolítica global estão a reconfigurar o ambiente económico. É verdade que as empresas precisam de se adaptar — e depressa. Mas esta urgência não pode justificar a desumanização do processo. A mudança organizacional, quando conduzida com frieza matemática e linguagem de relatório trimestral, arrisca transformar-se num ato de violência silenciosa.

As empresas tendem a confundir planeamento com comunicação e execução com imposição. A diferença é mais do que semântica. Quando os conselhos de administração celebram o início de um “novo ciclo” com entusiasmo visionário, ignorando o receio que se espalha pelos corredores da empresa, criam uma dissonância perigosa. A cúpula vê luz ao fundo do túnel; a base, apenas escuridão.

Esta desconexão tem custos tangíveis. A falta de transparência alimenta rumores. O silêncio sobre quem será dispensado instala um pânico surdo. E o mal-estar interno não só prejudica a produtividade como contamina a reputação da empresa enquanto empregadora. Pior: os “sobreviventes” — os que ficam após os cortes — carregam uma carga dupla. Trabalham mais, com menos colegas, e com a sombra constante da próxima reestruturação.

Por isso, um roteiro de mudança sério tem de incluir medidas claras de apoio. Apoio aos que saem, sim — com planos de reconversão, aconselhamento de carreira e processos de saída dignos. Mas também aos que ficam: com liderança presente, comunicação regular e reconhecimento emocional do que estão a viver. É essencial, por exemplo, formar gestores para conduzirem entrevistas de despedimento com empatia e preparar psicologicamente equipas de liderança para os desafios emocionais de um período de cortes. Liderar na incerteza exige competências que raramente cabem numa folha de cálculo.

Outro erro comum é negligenciar os mecanismos de feedback interno. Empresas verdadeiramente transformacionais não gerem apenas KPIs; monitorizam o pulso emocional das suas pessoas. Inquéritos regulares, escuta ativa e canais de comunicação bidirecionais são os verdadeiros “sismógrafos” da mudança. Se ignorados, o projeto afunda-se no cinismo e na alienação.

Estes processos têm de ser introduzidos na gestão das empresas nacionais, que se encontram longe de os ter como prioritários na sua gestão. Já não cabe a conversa: “estamos atrasados ou os nossos gestores são ultraconservadores e não inovam as formas de gestão”, quem ficar por aqui tem de se preparar para o fim que ainda não lhe foi comunicado.

A consciência generalizada de que o mundo mudou — estrutural, tecnológica e socialmente — criou um raro consenso: a mudança é inevitável. Isto retira à gestão o estigma de “culpada” por mudar e oferece-lhe um espaço novo para liderar com autenticidade. As empresas que souberem aproveitar este momento para se transformarem com profissionalismo, humanidade e clareza ganharão não apenas eficiência, mas legitimidade.

A mudança já não é uma escolha. Mas a forma como a conduzimos, sim. E essa escolha fará toda a diferença entre uma organização que sobrevive — e uma que renasce.