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O painel do programa juntou três protagonistas de mundos diferentes mas interligados: Filipe Esteves, CEO da consultora tecnológica HP2 e líder da Futebol ISM; Tiago Rodrigues, ex-jogador e actual especialista em análise de dados no desporto; e João Pereira, triatleta olímpico e criador do projecto Apulso. A moderação coube a Nuno Azevedo Cardoso, num episódio que mais pareceu uma viagem às entranhas de um novo paradigma desportivo.
O futebol como laboratório de dados
Para Filipe Esteves, o caminho da HP2, que começou num pequeno apartamento em Lisboa e se transformou num grupo com oito mil colaboradores em 14 países, passou inevitavelmente pela paixão pelo futebol – ou talvez, como confessou, pelo acaso. Hoje, a Futebol ISM é uma referência na aplicação de tecnologia à análise de desempenho, sobretudo no futebol profissional, operando com uma filosofia clara: “Não ensinamos nada a ninguém. Ajudamos os clubes a tomar melhores decisões.”
No terreno, isso traduz-se numa recolha exaustiva de dados físicos e técnicos – desde batimentos cardíacos a distâncias percorridas, velocidades de sprint ou zonas do campo exploradas. Equipamentos como coletes com sensores ou wearables são os olhos e ouvidos invisíveis que transformam cada treino e cada jogo num campo de análise científica. Mas como se passam dados brutos a conhecimento acionável? É aqui que entra o software e, mais recentemente, a inteligência artificial e o machine learning.
“Hoje já conseguimos prever, com base em anos de dados e milhares de sessões, se um jovem atleta de 12 ou 13 anos tem probabilidade de chegar ao futebol profissional – ou se está em risco de lesão a médio prazo. Isso vale ouro para os clubes”, explicou Filipe Esteves. É também aqui que o debate se torna mais complexo: e a ética? E a privacidade dos dados clínicos?
Tiago Rodrigues, que trocou os relvados do Sporting pela ciência dos dados, recusa uma visão maniqueísta. “A tecnologia é um instrumento. Pode aumentar desigualdades, sim, mas também pode reduzi-las. Tudo depende de como é usada.” E a chave está nos profissionais – e na cultura do clube. “Pode-se ter a melhor tecnologia do mundo, mas sem gente qualificada a interpretá-la, de nada serve”, alerta.
Num cenário ideal, os dados ajudam a reduzir o “achismo” e permitem decisões objetivas. Mas nem todos os clubes têm os mesmos meios. Nos escalões inferiores, onde uma mesma pessoa acumula funções de treinador, analista e preparador físico, o acesso a ferramentas e competências ainda é limitado. E há ainda resistências culturais: “Muitos treinadores continuam a confiar mais na intuição do que na evidência. Cabe-nos a nós mostrar que os dados não substituem a intuição, ajudam-na a ser mais eficaz”, defendeu.
João Pereira, com mais de 120 provas internacionais no currículo, não tem dúvidas: “Hoje somos quase biomáquinas.” A frase pode chocar os mais puristas, mas descreve bem a integração total entre corpo e tecnologia no treino de endurance. Dos batimentos cardíacos às métricas de potência, passando por plataformas de treino virtual como o Zwift, tudo é analisado em tempo real – e usado para adaptar o plano de treino, a nutrição ou a recuperação.
“Hoje já há dispositivos que nos dizem quando devemos comer durante uma prova”, sublinhou. Mas João recusa uma visão desumanizada da alta competição: “No final do dia, é a relação com o treinador, com o técnico, com o preparador físico, que faz a diferença. A tecnologia dá os dados, mas o humano dá o sentido.”
Ética, privacidade e o futuro do atleta digital
A recolha e gestão de dados pessoais, em particular clínicos, levanta questões delicadas. Filipe Esteves não fugiu ao tema: “Todos os dados são encriptados e protegidos segundo o RGPD, mas a ética vai além disso. É aceitável partilhar um relatório médico com um clube comprador para garantir a ‘qualidade’ de um jogador? É ético prever que um jovem vai falhar por causa de um risco de lesão?”
As respostas ficam em aberto. O futebol, lembrou, continua a ter regras próprias. “Os clubes são donos dos dados, mas têm de garantir que os usam para o bem do atleta – e não como instrumento de discriminação ou pressão.”
O futuro já começou
Para onde caminha o desporto de elite? João Pereira acredita que a linha entre real e virtual vai esbater-se ainda mais: treinos em plataformas gamificadas, provas híbridas, integração de feedback em tempo real. Mas alerta: “A sensibilidade humana, a vontade de ganhar, o querer superar-se – isso não se mede em algoritmos. É o que distingue um campeão.”
O episódio termina com uma certeza partilhada pelos três convidados: a tecnologia não substitui a intuição humana. Amplifica-a. Ajuda a decidir melhor, a treinar de forma mais inteligente, a prevenir lesões que poderiam ser fatais para uma carreira. Mas o “coração” do desporto continuará humano – feito de suor, de superação e de histórias que nenhum chip saberá contar.