
A proposta foi anunciada pelo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial (WAIC), em Xangai, um evento que reuniu líderes da indústria, investigadores e decisores políticos num momento de intensificação da rivalidade tecnológica entre as duas maiores economias do mundo.
Um apelo por inclusão e partilha
Sem mencionar diretamente os Estados Unidos, Li Qiang alertou contra o risco de a IA se tornar “um jogo exclusivo de poucos países e empresas”, e apelou, citado pela Reuters, a uma governação global mais coordenada e inclusiva. “A tecnologia de IA não deve ser propriedade de uma elite. Deve estar ao serviço da humanidade como um todo”, afirmou perante uma audiência composta por representantes de mais de 30 países.
A proposta chinesa não é apenas simbólica. Pequim quer sediar esta futura organização em Xangai e promete partilhar com outros países, especialmente do chamado Sul Global — que engloba nações em desenvolvimento e emergentes — os seus avanços, produtos e experiência no desenvolvimento de IA. A China quer liderar uma nova ordem multilateral no domínio da inteligência artificial.
Fragmentação regulatória preocupa LI
Li, citado pela Reuters, sublinhou que a governação da IA a nível global permanece “fragmentada”, com “grandes diferenças” entre países no que diz respeito a regras institucionais e conceitos regulatórios. Acrescentou que gargalos como a escassez de chips de alto desempenho e restrições à mobilidade de talentos dificultam a cooperação internacional.
A ação proposta por Pequim inclui um plano publicado online pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que convida governos, organizações internacionais, empresas e centros de investigação a colaborarem numa comunidade de código aberto transfronteiriça.
A iniciativa chinesa surge dias depois de a administração norte-americana, liderada por Donald Trump, ter divulgado um novo plano estratégico para a IA, com o objetivo de reforçar as exportações de tecnologia para aliados e garantir a supremacia dos EUA nesta área crítica.
Washington, que já impôs severas restrições à exportação de chips avançados e equipamentos de fabrico para a China — nomeadamente os da Nvidia —, receia que os avanços chineses em IA possam reforçar as suas capacidades militares. Apesar das sanções, a China continua a fazer progressos significativos no desenvolvimento de modelos de linguagem, robôs inteligentes e aplicações empresariais, suscitando preocupação entre os responsáveis norte-americanos.
A edição deste ano da WAIC, realizada num ambiente de crescente tensão tecnológica, contou com a presença de mais de 800 empresas e a apresentação de mais de 3.000 produtos de alta tecnologia, entre os quais 40 modelos de linguagem de grande escala, 50 dispositivos com IA integrada e 60 robôs inteligentes.
O certame destaca sobretudo o ecossistema chinês de inovação, com a participação de gigantes como Huawei e Alibaba, bem como startups como a Unitree, especializada em robôs humanoides. Marcaram também presença nomes ocidentais de peso, como Tesla, Alphabet (Google) e Amazon.
Um novo multilateralismo tecnológico?
A proposta de uma nova organização internacional liderada pela China pode ser vista como um esforço estratégico para reposicionar o país como defensor de um “multilateralismo digital” inclusivo — uma visão em contraste com o que Pequim considera ser uma abordagem norte-americana cada vez mais protecionista e centrada em alianças exclusivas.
A batalha pelo futuro da inteligência artificial não se trava apenas nos laboratórios ou nos mercados. É também uma luta pela definição das regras do jogo, da partilha de benefícios e do poder no século XXI. E, se depender da China, esse jogo não será jogado apenas por uns poucos.