Comecemos por desfazer um mito: a saúde, a educação, as creches, as SCUT e tudo o mais que se apregoa ser gratuito por mérito de um ou outro partido, no governo ou na oposição, é pago por cada um de nós. Consumidores ou contribuintes pagam cada cêntimo do que é "oferecido" aos portugueses. O Orçamento que está prestes a ser apresentado e anda a ser negociado como contrapartida de hegemonia político-partidária, em lugar de obedecer a critérios de maior benefício para os portugueses, depende essencialmente do que o Estado nos tira a todos. É uma parte que nunca vemos do que nos pagam pelo trabalho que fazemos, do que as empresas encaixariam com o que produzem e vendem, do dinheiro que gastamos em compras.
A receita do Estado, que no último ano engordou os cofres públicos em 83,2 mil milhões de euros, vem maioritariamente dos impostos que pagamos: são 64 mil milhões, mais de 77% dessas receitas, que vêm de impostos diretos (IRS, IRC, IMI...), indiretos (IVA, ISP, IABA...) e contribuições para a Segurança Social. E quem decide o que faz com eles é o governo. Ou, no caso presente, o governo e quem prometer primeiro que o OE passa.
Podia ser-nos cobrado menos? Podia. Mas a carga fiscal imposta aos contribuintes bateu sucessivos recordes desde 2019, com António Costa como primeiro-ministro (e Pedro Nuno Santos, recorde-se, nas suas bancadas). E não será possível travá-la se continuarmos a despejar camiões de dinheiro em buracos como a TAP ou a Efacec, por mera bacoquice ideológica, e a dispersar esforços que deviam estar concentrados na garantia de um Estado Social eficaz e limpo de gorduras.
E depois há a dependência crónica de que este povo sofre: o Estado é que tem de resolver, o Estado é que tem de pagar. Se lhe perguntassem se gostava de ter mais 200 euros por mês no bolso, em troca de comprar os livros escolares dos seus filhos, escolher a creche para os deixar ou pagar as portagens que garantem uma competente manutenção das estradas, aceitaria? Não se trata de retirar apoios a quem precisa, mas precisamente de os focar, em maior volume e com mais eficácia, naqueles que verdadeiramente precisam. Equidade em lugar de igualdade.
Mas isto não diz nada a quem nem sequer entende que o Estado que tudo nos deve é pago à conta da perda de dinheiro e do livre poder de escolha de cada um de nós. Ainda que isso seja plenamente visível — e chocante — num simples recibo de ordenado, numa mera conta.
Dito isto, o que nos trouxe esta acesa luta pela aprovação do Orçamento para 2025, que ainda vai ter mais um round? Bombons (envenenados) para Pedro Nuno Santos, que perde os magros argumentos para o chumbo, e muito pouco para os portugueses. Ao ir ao encontro das pretensões do PS no IRS Jovem e no IRC, que os socialistas haviam estabelecido como linhas vermelhas, Luís Montenegro enfeiou o presente que pretendia reter os mais novos aqui e deixou as empresas a chuchar no dedo.
Alarga-se o benefício a todos os jovens, mas os que estão no 7.º e 8.º escalão ficam de fora e os 17 anos de duração encurtam para 13. Por outro lado, em lugar de os jovens ficarem todos os meses com mais dinheiro para pagar casa e gastos (como aconteceria com as novas tabelas), o governo seguiu a ideia do PS (o mesmo que criou a discriminação ao dar a benesse apenas aos licenciados) e em lugar de tabelas optará pelo reembolso, ou seja, só lhes restituirá um valor que lhes pertence ao fim do ano. Em que é que isto os ajuda a começar a vida? E em que é que incentiva a que fiquem quando lá fora não são penalizados por ganharem bem?
Quanto às empresas, apesar de delas ter recebido o acordo para subir já o salário mínimo para 870 euros (um aumento superior a 6%), chegando a 1020 euros em 2027, e o compromisso de antecipar em três anos a meta do salário médio (passando dos atuais 1200 para 1890 euros em 2028, uma valorização acima de 57%), o governo entrega-lhes uma mão cheia de nada. A descida de IRC prevista não resolvia tudo, mas podia ser uma ajuda. Agora, com o passo de tango para agradar ao parceiro de viabilização orçamental que escolheu, ficam até na corda bamba as melhorias que podiam chegar ao bolso dos trabalhadores — e melhorar o nível de vida, potenciar crescimento e consumo e compensar as receitas fiscais sem retirar à partida o dinheiro da mão dos portugueses, mas antes permitindo-lhes escolher onde o gastar. O Estado guarda, o Estado decide melhor. Se isto não é socialismo puro, o que será?
O que o governo dá às empresas é menos do que poucochinho. Pode sequer falar-se em redução de imposto quando o que se propõe é cortar 1 ponto a um IRC cuja taxa nominal é de 21% e a real, quando somadas derramas e outras bizarrias que se multiplicaram, chega aos 27,5%, que a atiram para o nível mais alto da Europa e da OCDE? Como podem as nossas empresas competir num mundo global, se pagam muito mais não apenas para produzir como para comprar matérias-primas, pela energia que consomem a transformar os produtos para garantir que aqui fica a mais-valia, para recrutar trabalhadores a cujo bolso chega menos um terço ou apenas metade do que custam à empresa que lhes paga? Como pode pedir-se-lhes que cresçam e melhorem as condições dos trabalhadores, se quando o fazem é sobretudo o Estado que ganha, não quem trabalha, não quem produz, não quem inova, não quem cria valor?
Pior, este 1% a menos no IRC, para agradar aos socialistas que tanta dificuldade têm em entender que já não governam — porque consideram ser essa a sua condição natural —, vem agarrado a condicionantes que prometem embaraçar ainda mais o novelo fiscal com que as empresas já têm de lidar.
Certamente, os costumeiros Dupont&Dupond&Dupon (entre nós conhecidos por Raimundo, Mortágua e Tavares), encontrarão aqui argumento para a sempiterna tese de que a direita (onde já incluem o PS) só quer beneficiar os ricos e apaparicar o "grande capital" (que saudades terei deste clássico quando desaparecerem...), mas a verdade é que, até ver, este Orçamento não oferece nada às empresas para empurrá-las (e ao país) para o crescimento. E dá muito pouco aos portugueses, jovens ou não, para estimular o sucesso individual e a riqueza que devia estar ao dispor de cada um de nós, mas permanece resgatada num Estado Social obeso e incompetente nas tarefas em que devia concentrar-se.
Ganhar, só ganha quem vive dependente do Estado Pai-Natal, uma fatia que cada vez mais vai definir quem ganha eleições. E pela qual quem nos governa vai dobrar-se até partir o nariz no chão da realidade de não ter a quem cobrar o que é obrigado a oferecer.
Veremos se ao menos à custa do esbulho fiscal se reorganiza os serviços públicos perdidos na última década.
Diretora editorial