Um tribunal britânico aplicou uma multa recorde de 3 mil milhões de libras à Airbus, maior fabricante de aviões da Europa (e de material bélico, por acaso...), por usar recorrentemente agentes de companhias aéreas para garantir contratos de compra de aeronaves, com encaixe superior ao que seria adequado. O método não podia ser mais simples e foi aplicado em pelo menos duas dezenas de países: a construtora patrocinava negócios de donos de companhias aéreas e em troca ganhava contratos que lhe permitiam despachar aviões como quem vende pães quentes e a preço de luxo. Isto aconteceu durante décadas e a decisão do tribunal foi amplamente conhecida em 2020. Há quatro anos.
Em Portugal, cuja antiguidade de fronteiras parece justificar um tempo diferente do ritmo a que se move o resto do continente no que à evolução e desenvolvimento diz respeito, descobriu-se agora o "crime" que o ex-dono da TAP "cometeu". E que já fora maioritariamente notícia há um ano.
Tempo curioso o do relatório da Inspeção-Geral das Finanças, que foi pedido pela Comissão Parlamentar de Inquérito, para que se debruçasse sobre a gestão entre 2020 e 2022, e que é libertado ao mesmo tempo que chegam manifestações de interesse sérias para comprar a transportadora. Ainda mais curioso quando os zelosos inspetores, que até incluíram no trabalho uma crítica a Costa, que não lhes deu acesso à informação sobre a renacionalização — ocorrida precisamente no intervalo de tempo em que deviam investigar —, decidiram recuar à privatização de 2015, ainda mais, aos tempos de comando de Fernando Pinto, que se reformou em 20o18, e mesmo lá atrás, até ao ano de 2005.
Para soar como se quer, numa altura em que a venda da companhia aérea portuguesa volta a estar na ordem do dia, amplifica-se agora o drama, com a desculpa de simplificar a mensagem: o anterior dono da TAP, a quem o governo de Passos Coelho vendeu a transportadora e a quem António Costa pagou por duas vezes para a recuperar para a esfera do Estado — em bom português, entregou 55 milhões de euros dos contribuintes a David Neeleman em troca do que o empresário e David Pedrosa tinham investido para comprar a companhia e uma frota nova, abrir novas rotas, pagar dívida... —, comprou-a com o próprio dinheiro da companhia.
A explicação? A companhia foi a garantia dada para assegurar os contratos para os novos aviões, com a própria Airbus a adiantar o dinheiro para capitalizar a TAP em troca de contratos que, a longo prazo, a beneficiariam mais do que se vendesse os 53 aviões a preço de mercado.
"A privatização da TAP foi paga com dinheiro da própria empresa." Mas como, se a TAP era e sempre foi uma empresa falida?
A Airbus não é um banco, mas usar um bem como garantia num empréstimo é tão comum que as casas compradas a crédito são a contrapartida que as instituições asseguram para cobrir o risco de deixarmos de pagar a prestação; e não só nos cobram mais dinheiro do que o valor da casa como, da mesma forma que ao banco não interessa ter casas por efeito de malparado, à construtora não valia de nada ficar com uma linha aérea. Mas poderia assim ganhar mais dinheiro na venda. Eticamente censurável? Certo. Quebra o Código das Sociedades Comerciais? Talvez, dependerá do talento dos advogados... mas na essência dos esquemas, nada original.
Voltemos ao pecado original da mensagem que se quer fazer crer "simples": "A privatização da TAP foi paga com dinheiro da própria empresa." Mas como, se a TAP era e sempre foi uma empresa falida? Como, se apenas deu lucro no último ano, graças às chorudas injeções de capital público no pós-pandemia, aos cortes salariais de 25% a 50% e aos despedimentos massivos coordenados pelo então ministro Pedro Nuno Santos?! Dirão que os repetiu agora, mas 400 mil euros positivos é quase equivalente a zero. Ainda mais quando tem uma dívida financeira de 1,5 mil milhões de euros...
Não sendo uma dimensão comparável, fica a referência, ainda assim: a Lufthansa, que se perfila como potencial compradora da nossa companhia aérea, conseguiu no semestre dez vezes mais: lucros de 500 milhões, sendo que já tem resultados positivos desde 2022, o mesmo ano em que voltou a ser totalmente privada, após o Estado alemão vender as ações tomadas como contrapartida do resgate necessário em pandemia.
Com os fantasmas das gestões passadas a pairar agora na esfera do Ministério Público, onde os casos de justiça ganham bolor, ficará a TAP segura nas mãos dos contribuintes-patrocinadores? Dificilmente, diria. Se até o governo que a renacionalizou defendia a sua reprivatização... Mas tudo tem um propósito e por vezes é o mais simples de todos; veja-se a reação dos partidos.
Com isto, claro, o próximo dono da transportadora aérea portuguesa pode conseguir levar a TAP a preço de amigo. Aguardemos...
Diretora editorial